CARNAVAL DE 2019
SINOPSE DO ENREDOSob um Olhar Negro: Valongo, a História de um Cais |
Conto a história de um povo guerreiro.
O meu povo.
Sob a luz de um lampião escrevo essa carta para que no futuro entendam o que eu e meus irmãos passamos.
Voltaremos a muito tempo atrás.
Peço que a Águia Altaneira leve meu clamor e minha história ao futuro.
Deixei minha terra rumo ao desconhecido.
Não pense que foi porque quis.
Fui Obrigado.
Sucumbido à ira do invasor.
“Adeus África terra dos meus ancestrais!”
Por águas desconhecidas navegamos.
Horas, dias, meses no que chamavam de navio. Pra mim era o martírio.
Irmãos morrendo. Doenças aflorando.
Feridas que nunca mais deixarão de sangrar.
Que os Orixás nos protejam.
Em fim aportamos.
Desembarquei em choque.
Jogaram-nos em uma espécie de “mercado”, onde éramos a própria mercadoria.
Teríamos valor?
Alimentavam-nos e nos davam aparência melhores. Queriam nos vender a qualquer custo.
Quando você era ”comprado”, nos obrigavam a trabalhar.
Seja na casa grande, em fazendas ou no próprio mercado.
Só servíamos para isso, um bando de negros trabalhadores.
Alguns de nós já passávamos da idade, mas também trabalhavam.
Vendedores de flores, artesões, quituteiras, que juntavam migalhas pra comprar a alforria.
Em meio ao caos nos agarramos ainda mais a nossa fé.
Aqui nos obrigavam a cultuar um só deus.
Salve Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora do Rosário.
Há de quem se engane de pensar que havia acabado as mercadorias. Agora éramos comercializados até por nossos próprios irmãos no Mercado do Valongo.
Com o passar do tempo alguns boatos me fizeram acreditar que tudo mudaria e esses anos de horror que passei acabaria.
Reformaram o Cais, mas foi apenas pra chegada da nova princesa.
Que tolice a minha.
Ainda vendiam negros por de baixos dos panos.
O lugar que aportei nessas terras chamadas Brasil nada se parecia com aquele que a princesa encontraria.
Já não nos vendiam com tanta freqüência, parece que uma coisa chamada “Liberdade” estaria por vir.
Enquanto isso fazíamos nossa própria liberdade.
Dançando jongo e brincando de ser feliz.
Não sei quanto tempo de vida ainda tenho, já estou velho, já chego aos meus 100 anos de idade.
Deixo essa carta para que lembrem e entendam o que nós negros passamos.
Que a liberdade chegue para todos e que ninguém precise viver como vivi minha vida toda, como mercadoria.
Que meu pai Oxalá proteja todos os irmãos que viverem daqui por diante.