CARNAVAL DE 2015
SINOPSE DO ENREDOA Ginga da Rainha |
Justificativa do enredo
“Lutar, resistir e vencer! A trajetória de uma negra mulher guerreira desperta na África, atravessa o tempo e se faz presente nos dias de hoje quando os corações de toda humanidade anseiam por direitos de igualdade e liberdade para todos.
É na antiga África que os atabaques batem para Ginga! Batem pela revolução, saudando a voz da indignação que se levantou entre os negros e espalhou a fama da valente rainha por todo aquele continente. Ginga, a rainha africana é um exemplo a ser seguido em vários momentos ao longo da história.
Existem muitas formas de luta. A mais arriscada é aquela feita com o exemplo claro, com a postura, com a palavra forte, com a imposição e o respeito. A mais eficiente é feita indiretamente, sem rancor e conquistando através da cultura e da sabedoria, valendo-se de todas as armas e oportunidades para vencer.
A passarela do samba é um importante espaço. Vamos então mais uma vez aproveitar o carnaval, ocasião em que todas as atenções estão voltadas para a passarela, para, emocionando as pessoas, fazê-las meditar sobre a negritude brasileira.
É lá que os brasileiros buscam inspiração para a “ginga” do dia-a-dia. Livres, os brasileiros podem pintar seus rostos e sair para as ruas, protestando contra medidas que revoltam um povo. Da mesma forma saem para as ruas num carnaval de alegria, mostrando a ginga de viver que todo brasileiro tem. Mas na hora de lutar e vencer o inimigo, a herança africana fala mais alto. Faz o sangue correr acelerado o coração pulsar apressado. É a voz da Rainha Ginga que se aproxima de cada um e dá firmeza para vencer as batalhas que vencemos todos os dias.”
Sinopse
África! Matamba! Luanda!
Um continente de terras férteis, tesouros naturais e dádivas do solo africano. Alvo de cobiça e ganância, habitado por um povo perseguido que transcendeu suas origens, mas nunca teve paz.
Nesta terra surgiram tribos guerreiras milenares, destemidas e valentes, governadas por imponentes reis e rainhas que lutaram por muitos anos defendendo seu povo.
Em meio aos atabaques da negritude e aos grilhões da colonização portuguesa, surge Ginga uma negra mulher dos povos Bantus, filha do rei Jinga Mbandi Ngola Kiluanji.
Ginga vivia cercada de servas, soberbamente trajada, acomodada sobre um trono singular e imponente. Trazendo no sangue a cor da sua terra, Ginga transforma-se numa legítima guerreira africana e no berço de Angola faz ecoar sua voz. A voz da revolta e da indignação!
Após a morte do pai, Ginga entrou em guerra com o irmão Ngola Mbandi. Com forte ambição, seu irmão manda matar o jovem sobrinho para que não houvesse sucessão no seu reino.
Ao receber o corpo de seu filho morto, Ginga dá início a um processo de vingança que durou anos. Refugiada, forma um exército de bravos guerreiros, assalta as fronteiras do irmão, apoderando-se de gados, mulheres e homens. Desta forma, dissemina pelas cercanias um prestígio ameaçador com atitude, coragem e destemor.
Tocam os tambores na noite escura e nos dias claros de sol forte. O som ecoa pelo ar ao longe chegando a lugares distantes de aldeias em guerra.
Com resistência, a Rainha Ginga transforma-se na porta-voz de uma nação contrária a todo o sistema imposto pela colonização portuguesa.
O seu nome surge nos registros históricos alguns anos mais tarde, como enviada para uma conferência de paz com o governador português de Luanda.
Após muitas lutas contra as incursões de Portugal para capturarem escravos africanos, Ginga negociou um tratado de paz. Com fluência de raciocínio e propriedade de linguagem, ela impressiona de tal forma os portugueses que eles – depois de pensarem que se tratava de algo sobrenatural – entenderam que estavam diante de uma mulher excepcional com uma mente brilhante, uma revelação verdadeiramente talentosa de superioridade intelectual africana.
Para conseguir a confiança portuguesa, em 1622 Ginga é batizada na Catedral de Luanda recebendo o nome de Ana de Souza, adotando o sobrenome de seu padrinho, o governador João Corrêa de Sousa.
Ginga despertou e encorajou o primeiro movimento nacionalista na África, o Manikongo, em oposição ao domínio europeu. Ela uniu os povos de Congo, Kassange, Dembos e Kissana.
Anos mais tarde, o tratado com Portugal é rompido. Revoltada, Ginga forma uma aliança com o povo Jaga, desposa o seu chefe e conquista todo o reino de Matamba. A vitória é comemorada ao som de atabaques, mas a ira de Ginga faz com que rompesse os compromissos com Portugal, abandonasse a religião católica e praticasse uma série de violências.
Seguiram-se anos de paz, mas Ginga foi traída pelos Jaga e formou uma aliança com os holandeses. Com o auxílio das forças de Ginga, os holandeses, que na ocasião ocupavam boa parte da Região Nordeste do Brasil, também conseguiram ocupar Luanda.
Ginga voltou com sua tropa para Matamba e continuou a resistir. Dois anos depois, Ginga assinou um novo tratado de paz com Portugal. Ajudou a reinserir antigos escravos e formou uma economia que não dependia do tráfico de escravos.
Passados anos de muita guerra, luta e paz Ginga faleceu aos oitenta anos, como uma figura admirada e respeitada por Portugal. Após a sua morte, 7000 guerreiros do seu exército foram trazidos para o Brasil e vendidos como escravos.
A exemplo de Ginga, estes negros escravos resistiram muito. Lutaram para terem direito a suas práticas religiosas preservando seus deuses dos cultos africanos em terras brasileiras. Mesmo com toda a segregação conseguiram manter a celebração de suas divindades do Candomblé em nas nações: Yorubá, Jêje e Nagô. Para preservar essa cultura tocam os tambores de todos os terreiros saudando Ginga.
Sua inteligência, habilidade para estabelecer acordos políticos, além do acentuado poder de liderança, vivem no imaginário popular de todos nós, brasileiros, negros e brancos, herdeiros dessa matriz histórica cultural africana de língua portuguesa, onde muitas palavras africanas foram inseridas no nosso dicionário.
Além disso no Brasil, o nome da Rainha Ginga é referido em vários folguedos da Festa de Reis dos Negros do Rosário, onde reis-de-congo católicos lutam contra reis que não aceitam o cristianismo.
Dona Ana de Sousa possuía muitas variações do seu nome que, em alguns casos, eram completamente distintos. Entre eles, mas não apenas, registam-se: Rainha Nzinga, Rainha Nzinga Mdongo, Nzinga Mbande, Jinga, Singa, Zhinga, Rainha Ginga, Ana Nzinga, Ngola Nzinga, Nzinga de Matamba, Rainha Nzingha de Ndongo, Ann Nzingha, Nxingha, Mbande Ana Nzingha e Ann Nzingha.
Hoje, a história de força e coragem da Rainha Ginga serve de inspiração para a Acadêmicos do Dendê, reviver na avenida a resistência de um povo que sempre lutou pela liberdade.
Livres, numa grande congregação de raças e crenças, os integrantes da Acadêmicos do Dendê pedem passagem e louvam a Ginga da Rainha, enredo do nosso carnaval!
Carnavalescos: Severo Luzardo, Clebson Prates e Rodrigo Meiners.
Pesquisador: Jeferson Pedro
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