CARNAVAL DE 2015
SINOPSE DO ENREDOO Cavaleiro Armorial Mandacariza o Carnaval |
Mandacarizar (v.t.sertanejo).1. Ação de resistir às secas da vida. 2. Convencer de que nenhum ambiente é hostil quando os homens são irmãos na festa da vida. 3. Contagiar com a certeza de que todo deserto fertiliza. 4. Provar que a pobreza pode ser rica e que a riqueza pode ser miserável. 5. Instalar, entre canto, cores e alegrias, o protesto do sonho contra a injustiça. 6. Vencer como as cabras a adversidade. 7. Ato de expressar sinceramente um povo, expressando assim toda a humanidade.
1º Ato: O Sonho de vencer a Besta.
Na cidade mundo que o sol abrasa, sertão dos bichos e dos homens, o diabo aprisionou os sonhos na gaiola da terra rachada. Inventou também as cercas e, com o bafo do egoísmo, botou para fora delas todas as necessidades.
As cabras (com exceção da cabriola) – ao lado de quem nasceu Nosso Senhor – correram a berrar para avisar as cores. As cores, imediatamente ao saber da notícia, acordaram os versos, a música e as danças. Confabularam contra o catiço, ali mesmo, o plano para expulsá-lo do mundo. Dessa reunião nasceu o circo.
Mas como todas as guerras requerem um cavaleiro, e como todo cavaleiro tem de ser nobre, as rendeiras do destino puseram-se a tecer o palácio em que se faria o maroto na terra aportar.
Arregimentou-se a tropa, aquartelada sob a lona. E deu-se missão ao palhaço Gregório. Enquanto o malvado divertia-se no Cariri, em companhia da Caetana, sorrateiramente o palhaço deveria encontrar a criança-cavaleiro. Para ajudá-lo na missão a poesia disfarçou-se em bonecos de mamulengo, imitando dentro do palco a vida de todos os homens.
Assim partem, Gregório, mamulengos e o circo, para vencer o mal do mundo. E encontram, no Palácio da Redenção, sob a benção da Virgem das Neves e do Santo das bandas do Egito, Ariano, o Suassuna, o cavaleiro já embainhado da arma potente que é sua língua afiada.
Estava fundada, no sertão, a revolta contra as adversidades. O cavaleiro e a onça malhada, com suas cores de diversidade, lançam-se do do sertão ao mundo determinados a expulsar e vencer o maldito e a Caetana. E isso se deu pelas bandas de 1927.
(o ator que encenará o cavaleiro deve ser nascido no Palácio da Redenção, na Paraíba, ser filho de Presidente, ter disposição para ser brasileiro e encantar a todos com inigualável autenticidade e com as cores de seu local, porque com elas pintará os homens para o restante do mundo. Deve ainda ter oito irmãos e ser criado por aquela que vestiu luto sem jamais permitir que seus filhos o fizessem. Para a seleção do ator deverá ser observada a regra de que o mesmo ostente o inconfundível nome de Ariano Vilar Suassuna).
2º Ato: A reação do Capeta.
Conhecendo o poder do cão e o olhar atento da Caetana, a boa gente do mundo resolve por ao abrigo dos males o pequenino cavaleiro. Para despistar o arrenegado, puseram a viver o combatente em fazenda no Cariri, cercada de pedra e lagedo. Ali. Ali mesmo, onde brincavam de mãos dadas, por todo tempo, o lirismo e a aspereza. O mesmo lugar em que a astúcia driblava a fome.
Mas o dioguim, que é todo ruindade, deu por bem de achar o menino, e conhecendo o plano do destino, arremeteu num desembestado de desgraceiras.
Espalhou pelo campo a mortandade e achou de mostrar aos olhos do sertanejo a ruindade, para servir de exemplo ao mundo inteiro. Forrou a tudo com a toalha da miséria e separou os homens pelo bacamarte e pelo pecado da soberba. Eis as grades da terra rachada, fazendo trincar os dentes e espalhar as mofinas. Eis todas as mazelas capazes de amesquinhar o comportamento dos homens.
E para sangrar ao cavaleiro, arremeteu sobre seu pai o deboche da Caetana, banhando-o em tenra idade com baldes de sangue e de saudade. E a cabra cabriola tentou tomar-lhe a alma da infância com as garras de sua maldade.
Fez ainda mais e por muito tempo… Não respeitou sequer o Estandarte do Divino, matando nas terras da esperança, um velho, dois homens e uma criança.
Raivoso, danador, azinhavre. Eis que aqui se apresenta sua incandescente paisagem.
Foge o nosso herói, cercado de seus protetores, para as bandas de seus melhores sonhos denominada Taperoá.
E isso se deu pelas bandas de 1933.
(os atores devem encenar o ato com sofrimento e verdade. Devem encenar sabendo que os males do sertão estão presentes em outros sertões que o tinhoso criou no mundo e nos corações. O ator que encena o cavaleiro deve demonstrar as marcas da dor, do desassossego e saudade. O cenário deve ser de fogo, dor e desalento e deverá lembrar de todas as dores.)
3º Ato: Preparo, Confabulação e a Batalha do Mandacaru.
Escapou-se o nosso pequeno para ganhar folego e conclamar a batalha para a qual foi predestinado. Fez-se em Taperoá o treino, em exercícios de formosura. E conclamou por todos nós a compadecida em desfavor do encouraçado!
Guarneceram-lhe as portas e janelas os cantos dos aboiadores e a encantaria do mestre Capiba. Deslizaram pelas frestas do quarto poesia, romance e teatro. A beleza e a fartura travestiram-se de coco babaçu, jacu, guará, marmeleiro, piquizal e borboleta. E todo povo ajudou-lhe. Todo esse povo camaleão que a cada nova miséria sabe transmutar a tudo pela magia das próprias cores.
Treinado no espaço do fantástico e na realidade de seu chão, resolve sagrar-se príncipe nas bandas do Recife, onde há de desafiar de seu mundo o matreiro cramulhão.
Descortina-se em Pernambuco o desafio.
E nunca se viu em terra alguma batalha mais imaginada e vivida que a de nosso Cavaleiro Armorial. Conclamou dos confins seu povo, que armado de muitas sextilhas, tingiu panos coloridos e acordes de muitos repentes. É a batalha do mandacaru, que há de mandacarizar cada espaço do planeta. Sobre cada sofrimento há de se fincar a flor do mandacaru, sinal da vitória da vida sobre todas as mazelas.
Como o circo, a batalha mandacarizante se fez na caminhada, porque é na caminhada que é possível encontrar o sentido pelo qual vai a vida. Batalha da solidariedade. Batalha sobre a adversidade feita com a arte que é grande arma e grande festa. Batalha sem sangue ou morte. Batalha em que se comprova que todo “o deserto funda”.
Batalha do mandacarizar, do cavaleiro que é metade rei, metade palhaço. Do reino da unidade na diversidade. Da fundação do sertão onde há a praça do meio do mundo. Batalha dos cabras que provam que bom mesmo é o sono da consciência tranquila, da preguiça boa sobre a preguiça do diabo. O sono da noite em rede com cobertura do luar.
Sobre os olhares do boneco Benedito, vence o cavalheiro e triunfa sobre a terra a bondade. E o povo camaleão vive em festa, emprestando a tudo santidade. E não há nenhuma tristeza: porque toda história ruim de passar é história boa de se contar.
O maldito está vencido pelas mãos calejadas de todos os homens, cujas vozes reverberam na fala e na tinta de nosso Cavaleiro! Serão úteis todos os homens, criadores e plantadores que semearão o mundo inteiro. E por sua ordem, vencida a guerra, armou-se sobre todos a grande lona que há de cobrir o mundo inteiro… E os tempos hão de ser de paz, porque serão os outros homens e todos nós, redimidos pela compadecida, no auto do fim triunfal!!
4º Ato: O Cavaleiro Armorial, sob as bênçãos da compadecida, mandacariza o mundo e o Carnaval.
Vencida a batalha, corre a frente João Grilo, esbaforido a gritar. Como se podem salvar os homens se a flor do mandacaru dura apenas uma noite, como a noite da terça de Carnaval?!? Como podem durar os abraços se logo, logo, o encouraçado faz alvorecer a quarta-feira?
A Compadecida então decreta: desempregado está o tinhoso na sua caça de almas! E desempregada está a Caetana porque o Cavaleiro jamais morrerá, e discursará eternamente sobre a cova do mal.
João Grilo, Chicó e um Palhaço, bradando ao Cavaleiro:
– Que me desculpe a compadecida, porque mais uma vez insisto, é sempre bom pedir mais alto para que a negociação chegue a bom termo. De que adianta o nobre Cavaleiro, vencer os males da vida e mandacarizar o sertão do mundo inteiro, se a flor do mandacaru, em uma noite se murchar?
Compadecida da prece de alegria dos romeiros do samba na Sapucaí, responde a virgem: – Manuel (que é seu filho Jesus), reconhece o Cavaleiro e sua vitória, e pelos feitos de sua trajetória, reconhece e redime a todos os homens.
Transforma-o em palhaço eterno que com sua obra manterá vivas as flores do mundo inteiro.
O encoraçado berrou, a Virgem refulgiu e os homens todos se abraçaram no reino em que se implantou a mandacarice. A terra rachada abriu-se e libertados foram os sonhos, que voltaram a passear na romaria do povo nesta Avenida.
Como resultado da batalha, Chicó anuncia que foram enroladas em mortalha, com a sentença final, a Caetana e a Quarta de Cinzas, e graças ao Cavaleiro e seu mundo, será sempre Carnaval! E quando o povo vermelho e branco, com todos Unidos em alvoroço, pergunta sobre como tudo se deu, responde Chicó sorrateiro: – Não sei, só sei que foi assim!
OBS.: a Unidos de Padre Miguel também não tinha o direito de tocar nesse tema, mas ousou fazê-lo, baseado no espírito popular de sua gente, porque também acredita que esse povo sofre, é um povo salvo e tem direito a certas intimidades. E não trocamos o nosso oxente pelo OK de ninguém!
Edson Pereira