CARNAVAL DE 2016
SINOPSE DO ENREDOFluxo e Refluxo: a Diáspora Africana Pelos Olhos de um Mensageiro Entre Dois Mundos |
O carnaval é a maior festa popular do Brasil, e está intimamente ligado à nossa identidade cultural; que por sua vez, mostra-se indissociável da extasiante cultura africana e das raízes de nossos ancestrais.
A África está presente no Brasil em quase todas as dimensões de nossa sociedade: na fé, no gestual, na musicalidade, na dança, no gosto pelas cores, nos ritmos, na alegria, na forma como falamos a língua portuguesa e mesmo de maneira como adornamos os cabelos. Dotada de beleza exuberante e de uma riqueza cultural admirável, a África foi um foco de humanização de grande importância para o estudo da origem e da evolução do Homem. Berço real da humanidade, integra o imaginário brasileiro, e é um dos nossos mais ricos e misteriosos mitos; mesmo por que, milhares de nossos antepassados vieram de lá, daí a forte atração que o continente desperta.
Pierre Verger também se encantou com a África e, uma vez encantado, resolveu estudar e contar a história desse continente, dos povos que lá habitaram (muitos ainda habitam), daqueles que foram covarde e brutalmente retirados de lá, mas que nuca esqueceram seus familiares, suas lembranças, suas origens, suas raízes, suas crenças.
Ficou encantado e encantou a todos, com os registros feitos por ele, através de um trabalho etnográfico incrível, escrevendo e descrevendo o fluxo e refluxo da diáspora africana pelos olhos de um mensageiro entre os dois mundos.
A África foi o primeiro território a ser habitado, e ainda hoje é um dos mais ricos em diversidade cultural no mundo, abrigando diversas tribos e grupos étnicos, que possuem sua própria cultura, tradições e costumes.
Berço da humanidade, a Mãe África é a terra natal de um povo guerreiro, detentor de uma história fascinante, e guardião fiel de suas origens, suas crenças e sua identidade cultural. A força da tradição africana vem da consciência de que a África é um continente com longa história. Muito antes da chegada dos europeus, a África já tinha grandes impérios e civilizações… E ainda hoje, mantém fortes vínculos históricos e estreitos os laços para com o Brasil. E esse forte enlace cultural que existe com o nosso país, nos deixa a certeza de que, quem deixar a África de lado, não vai nunca conhecer o Brasil a fundo. E Pierre Verger jamais ”deixou a África de lado”, muito pelo contrário: registrou, com exímia maestria, a diáspora africana, com os olhos atentos de um fiel mensageiro entre os dois mundos. Por que apesar de a história do povo negro estar extremamente viva na memória das comunidades e de seu povo, é inegável a dimensão e a relevância da obra de Pierre Fatumbi Verger; especialmente no tocante à sua narrativa sobre a vida dos negros africanos, e as condições sob as quais se deram a travessia do Oceano Atlântico. Esse enredo é uma homenagem aos nossos ancestrais africanos e à herança cultural por eles deixada, que fundamenta e enriquece a experiência humana no planeta. Mais ainda: é um convite à todos a (re)conhecer a África, para então celebrá-la; e, dessa forma, resgatar a nossa herança e reafirmar o nosso compromisso histórico e genético. Mesmo por que, sem a África, o Brasil não existiria. Ou, pelo menos, seria bem diferente do que é hoje, já que foram os braços fortes dos negros que ergueram esse país e alavancaram o nosso desenvolvimento.
Todos sabem que é impossível falar da África e não abordar o tráfico negreiro. Filhos da Mãe África de todas as idades, adultos e crianças, homens e mulheres, uma gente de pele negra como o ébano, foi covardemente subjugada, humilhada, escravizada.
Milhares de escravos foram embarcados na costa africana. Partiam de portos chamados de “pontos do não retorno”, no Golfo do Benin, com destino ao Novo Mundo.
Da África, atordoados, desiludidos, e muitas vezes com os olhos marejados, vieram quase metade de nossos antepassados. Misturados, rei e rainhas, súditos e nobreza, fizeram a travessia do então chamado Mar Tenebroso.
Na sinfonia das marés, enclausurados nos porões dos tumbeiros, os negros encontravam-se sob as condições mais adversas, e expostos à todo tipo de maldade… Viviam sem esperança por dias melhores, e acorrentados à grilhões e às saudosas lembranças da terra natal.
Nem mesmo as sete voltas dadas em torno da mística árvore da memória (possivelmente em Baobá), ritual realizado com a finalidade de apagar toda e qualquer recordação afetiva, ou elemento de identificação com a África, foi capaz de fazer com que o povo africano perdesse a fé e a esperança: os corpos dos negros foram escravizados, mas suas mentes e seus espíritos se mantiveram livres, da mesma forma que seus preceitos religiosos foram resguardados na sua mais pura essência.
Devotos das denominadas religiões tradicionais e dos ritos de magia, os africanos preservaram suas crenças, seus cultos e seus rituais, mantendo vivo o respeito aos ancestrais e a força da fé que alimenta a alma africana.
A ligação para com a África é tão forte, que mesmo depois da partida, e antes do retorno de muitos ao continente africano, os negros continuaram a zelar e a salvaguardar os mais diversos símbolos característicos das tradições africanas, tais como totens, máscaras, carrancas, esculturas, búzios, presas e peças de marfim, dentre outros.
Com base em tudo isso, acreditamos que nossa missão com o enredo deste carnaval é, através do fluxo e refluxo dos negros africanos, fidedignamente registrado por Pierre Verger, despertar esse espírito de buscar quem fomos, e quem somos, para para então poder contar fielmente a nossa história.
O Brasil jamais formaria a sua identidade nacional sem reconhecer suas raízes africanas, marcas valiosas do nosso patrimônio cultural não teriam sido concebidos por nós, brasileiros, sem o DNA africano. Tropeçamos o tempo todo em traços de ancestralidade na África, e é evidente de onde vem o gene rítmico que gerou o requebrado das nossas mulatas.
Dessa forma, estamos convictos de que, ao consagrar o enlace cultural existente entre África e o Brasil, oportunamente representado pelos negros saídos do Golfo do Benin com destino à Bahia de Todos os Santos, faremos dos contrastes existentes – África e o Brasil, o preto e as cores do pavilhão da Matriz de São João de Meriti, a partida e a chegada, o fluxo e o refluxo, a separação e o reencontro, o pesar e o sambar – uma grande mistura, a qual resultará num grande carnaval, afinal de contas, somos toda África!