CARNAVAL DE 2016
SINOPSE DO ENREDOA Lenda de Abaçaí! |
Em um tempo bem distante do nosso, em uma tribo cercada por uma vasta floresta, antes mesmos dos portugueses avistarem nossa terra, seus habitantes viviam tempos de paz, que os jovens pareciam desconhecer a cultura e a tradição dos mais antigos. Trocavam compromissos por diversão sem no mínimo arrependimento. O pajé da tribo, Yacamim, um homem que alcançava três gerações descontente com a situação de sua amada tribo, resolveu uma noite reunir todos os jovens, com a aquiescência do cacique Caaré. E naquela noite, iluminados apenas pelas luzes de uma forte fogueira, no centro da tribo, e de Jaci, no alto do céu, o Pajé Yacamim começou a falar.
– Já passou o tempo de vocês jovens conhecerem a história de nossos antepassados, homens que viveram e morreram para que nós hoje estivéssemos hoje aqui, homens que sempre respeitaram o valor do compromisso e de suas responsabilidades, homens viveram em uma época em que os Desuses eram mais próximos de nós.
Ao ouvir as primeiras palavras do Pajé, um dos jovens mais brincalhão da tribo disse:
“- Hoje é noite de historinha.” Causando risos entre os demais jovens. O velho Pajé lançou um olhar ríspido e penetrante como uma lança sobre o jovem brincalhão, que sentiu seu sangue gelar e se encolheu de pronto, o silêncio fez-se de imediato entre todos. Sim, os jovens até poderiam ser responsáveis, mas jamais desrespeitariam alguém mais velho. Retomando a palavra, Yacamim disse: “– Irei contar a história de Abá Ekoteré, um jovem guerreiro que há muito tempo habitou nossa tribo. Essa história me foi contada pelo meu pai, que a ouviu de meu avô que por vez a ouviu de seus ancestrais.”
Ao iniciar a narrativa, a noite que estava silenciosa, apenas se ouvia Yacamim e o queimar da madeira na fogueira, até as aves e os demais animais se silenciaram como se para escutar a história, nesse momento um vento correu pela tribo e agitou os galhos das árvores fazendo com que suas folhas interrompessem o silêncio e se fizessem notar. O sábio Yacamim se calou por um instante e teve um pensamento: “Ele está presente.“
Abá Ekoteré era um guerreiro valente e muito belo, desejado por todas as índias da tribo. O sonho de todo pai era que ele desposasse uma de suas filhas, porém o coração de Abá já tinha dona, Membira, uma índia de belas formas e que junto com Abá formava um belo casal. Mas Membira possuía uma irmã, a invejosa Unaité, que nutria
um ódio pela irmã, por ela ser mais bela e possuir o amor do índio mais desejado da tribo. Apesar dos Tupis ainda não terem sido assolados pela sangrenta e devastadora presença portuguesa, aqueles tempos não eram de paz como os de hoje, uma guerra contra uma forte tribo inimiga parecia iminente, portanto Abá e Membira resolveram anunciar o casamento antes que a guerra chegasse, O que foi motivo de festa para toda a tribo e foi também a gota d’água no ódio e na inveja de Unaité. Ela conhecia todas as histórias dos espíritos das florestas e resolveu pôr fim àquela sufocante felicidade da irmã. Naquela noite, com uma cuia contendo sangue de rã, pétalas de orquídeas e folhas de guaraná, Unaité fez uma oferenda a um dos mais insaciáveis espíritos da floresta: “ABAÇAÍ”.
Nesse mesmo instante mais uma vez um velho voltou a correr pela floresta, dessa vez mais forte, causando a revoada de alguns pássaros, assustando os jovens que atentamente ouviam a história de Yacamim. A essa altura toda tribo estava reunida, inclusive as mulheres e o Cacique Caaré, que já conhecia a história, mas observava o efeito que a mesma causava em seus índios.
“-Unaité aguardou e não demorou muito para que percebesse a floresta se abrir e dela sair um ser alto como uma árvore velha, careca e forte com braços grossos como troncos. ABAÇAÍ pegou a oferenda e enquanto a devorava Unaité disse: – Fui eu quem te trouxe essa oferenda”.Com seus olhos faiscantes ABAÇAÍ olhou para Unaité e falou: “És mesmo dona dessa oferenda? Pois então tens minha atenção, criatura”.
Nesse instante um jovem interrompe a história e pergunta num tom baixo, como se temesse a resposta: “Quem é ABAÇAÌ?”. O velho Yacamim olha para o jovem e com um malicioso sorriso no canto da boca responde: “ABAÇAÍ é um espírito que toma posse da cabeça dos índios, algumas vezes os perseguindo e os enlouquecendo, outras vezes preparando-os para a guerra os possuindo com a força e destreza fora da capacidade humana como se os índios fossem possuídos pelos espíritos dos animais que habitam a floresta. É também um espírito que gosta de celebrar suas grandes conquistas”.
“- Unaité conta que deseja que ABAÇAÍ enlouqueça sua irmã Membira, pois a mesma irá se casar com o homem que deveria ser dela. ABAÇAÌ, que ouvia atentamente Unaité a responde: “- Farei o que deseja, mas isso terá um preço. “Terás que me trazer essa mesma oferenda em toda noite de lua cheia por toda sua vida”. Unaité sem perder tempo aceita o compromisso e ABAÇAÍ mais uma vez lhe diz: “Tens certeza? Se falhares na sua promessa voltarei e ao voltar cobrarei o antigo e novo”.
“No dia seguinte o combinado foi feito, quando Membira encontrava-se sozinha à beira do rio, ABAÇAÍ tomou a forma de fumaça negra e a envolveu e ao deixa-la levou consigo a sanidade da bela índia. Membira já não respondia por si, se arrastava, arrancava os próprios cabelos e agredia quem se aproximava. Todos na tribo se preocuparam e se entristeceram, Abá se desesperou por não saber o que fazer para ajudar sua amada. O Pajé da tribo já conhecia histórias daquela loucura repentina, mas não possuía cura em suas mãos para esse mau. O corpo de Membira, fracov e cansado das agressões que sofria de si mesma, desiste da vida, para alegria de Unaité e desespero de Abá. O luto se abateu sobre a tribo, mais não poderia ser longo, pois a guerra se aproximava e dessa guerra dependeria a sobrevivência de toda a tribo. Abá, com o coração despedaçado e sentindo desapego por tudo na vida desde que seu amor partiu, solicita aos lideres da tribo para liderar a tribo na grande batalha que se aproxima e ouve do Cacique: “- Abá Ekoteré tu és um jovem de grande valor e suas virtudes nos causam orgulho, porém tão grande quanto tuas qualidades é tua inexperiência em assuntos de guerra, tua participação é de grande importância, mas a liderança caberá a homens com vivência na batalha.” Antes da tristeza tomar Abá por completo, o Pajé interveio a seu favor:”-Sim, o jovem é inexperiente, mas se minhas suspeitas estiverem certas, ele tem grandes chances de decidir o confronto a nosso favor. O ocorrido com sua amada pode ter sido obra dos Deuses da floresta. “Vá à floresta e evoque ABAÇAÌ, se fores digno obterá mais que resposta a suas dores.”
“Abá correu como o vento para a floresta e com um misto de ódio, dor e determinação, bradou: – Ser da floresta responsável por dizimar os corações dos homens se realmente o vazio tenho no peito é resultado de suas ações, clamo sua presença. Mal termina de falar, um forte riso ecoa na floresta seguida da resposta de ABAÇAÍ:
“- Quem me culpa pelo ódio existente entre sua própria raça? Quem me culpa pela ganância e sentimentos inferiores de seu próprio povo?”
A floresta se abre e ABAÇAÍ fica diante do jovem índio, que em nenhum momento sente medo da figura intimidadora que se coloca diante dele. Ao ver a figura de Abá Ekoteré ABAÇAÍ demonstra certa surpresa e diz:”- Há muitas gerações não tenho em minha presença um homem de sua estirpe, vejo que não perdeu a linhagem de seus progenitores. Nenhum homem vil poderia ter gerado filho como você. Vejo em seu coração o que trazes aqui e te digo com propriedade que é raro, entre da tua raça, desejos tão desapegados de individualismo. A cura de sua dor traz como consequência um bem coletivo maior: A preservação de tua tribo com a vitória na guerra. O mal que te foi causado já não pode ser desfeito, mas me afeiçoo pelo seu desejo. Vá, pois terás o que desejas, em troca vocês deverão fazer uma celebração por sete luas.”Abá questiona: “- Como os convencerei? Se não acreditarem em mim”. Já desaparecendo na mata ABAÇAÍ responde: “Vá e confie Abá Ekoteré”. Seu líder nunca teve por habito ser “tolo”.
“Assim foi dito; assim foi feito. Abá Ekoteré foi feito líder dos guerreiros da tribo e se preparou para guerra que estava próxima.”
“Algumas luas se passaram e o dia do confronto chegou. A tribo inimiga era numerosa e seus guerreiros eram fortes e muitos agressivos. Os guerreiros estavam inseguros, mas Abá os incentivava. Mesmo sem saber,sabia e confiava na vitória.”
“O inimigo acuou os guerreiros de Abá ao limite entre a floresta e a aldeia, o próximo recuo significaria e extermínio de toda tribo. Mas a poucos instantes do derradeiro ataque, o céu se cobriu de nuvens grossas e escuras, as Nuvens da Morte, assim chamadas pelo Pajé e uma fumaça negra saiu da floresta, a mesma fumaça que havia tomado Membira, cobrindo todos os guerreiro de Abá e ao se dissipar, o medo que existia também sumiu. Todos tinham olhos faiscantes e suas expressões passaram a ser de fúria. Abá e seus guerreiros avançaram com a força da onça, a agilidade dos macacos, o bote certeiro das serpentes e não adiantava se refugiar nas águas dos rios, pois a agressividade e a velocidade dos répteis mais ferozes também se fizeram presente. Os guerreiros inimigos, surpresos e sem ação, pois nunca haviam visto uma reação tão feroz como aquela, foram exterminados um a um.
“Ao por do sol, Abá e seus guerreiros voltaram vitoriosos para a aldeia. A tribo em festa observou todos passarem e pararem, altivos e imponentes a frente do Cacique e do Pajé, que viram que eles ainda estavam em transe, no transe de Abaçaí. Uma voz se faz ecor na tribo: – “Cumpram vossa parte do acordo”. Imediatamente o Cacique Caaré ordena: – “Comecem a celebração”. E por sete luas, sem interrupção, os guerreiros em transe celebraram e dançaram sem cansar.”
Ao fim da sétima lua, os guerreiros saem do transe e ainda celebrados por todos, voltam para suas famílias. Abá tido como herói, mas mesmo depois de todos seus grandes feitos, seu coração ainda não encontra a cura para a angústia que sentia. Ainda tomado pela tristeza e pelo vazio no coração, Abá sobe a um penhasco à beira da floresta, agradece ao espírito guerreiro e festeiro pelas glórias e honras a ele concedidas e se atira do penhasco para os braços dos Deuses na esperança de reencontrar sua amada Membira. Toda tribo chorou, Jaci, que acompanhava a trajetória do belo guerreiro, fez chover lágrimas por toda tribo, nem mesmo o espírito da floresta manteve os olhos, que já não eram tão faiscantes, isentos de lágrimas e fez verter mais orvalho nos troncos e folhas da floresta.
“Com a permissão de Tupi, Jaci fez com que Abá Ekoteré e Membira subissem ao Céu para que por todo o sempre fossem admirados como estrelas, um ao lado do outro.”
“A invejosa Unaité sentiu a ira de ABAÇAI, por ter entregado a oferenda no período em que a tribo estava cercada em grande guerra”.
E sem a mínima indulgência Ele fez cair sobre ela o mesmo castigo que ela havia pedido À Membira e ainda a fez vagar louca pela floresta até o fim de seus dias.
“Segundo nossos antepassados, ABAÇAÍ foi evocado outras vezes, inclusive em guerras que lutamos ao lado do homem branco contra inimigos que vieram de além-mar, tanto em terras ao Sul como em terras ao Norte.”
“Essa, meus filhos, é a história de um homem que foi eternizado, pela Graça dos Deuses, que mesmo com o coração coberto pela dor, honrou seu compromisso. Por isso vos digo, se quiserem ser admirados e respeitados cumpram com o que prometeram fazer, não cometam o erro de Unaité que prometeu mais do que podia para conseguir o que queria.”
A essa altura, nascia uma aurora de dedos róseos e mesmo tendo passado a noite ouvindo a bela história do Pajé Yacamim, os jovens se entreolharam, se levantaram e não foram dormir, seguiram para vários cantos da tribo e foram terminar as tarefas que lhes haviam sido dadas e tinham sido abandonadas em troca de diversão.