CARNAVAL DE 2017
SINOPSE DO ENREDOÉ um Barato o Feitiço do Chacrinha |
Nasceu o sol. Vivo, brilhante, caloroso. Surubim viu nascer o sol e viu nascer a luz de um pequeno Abelardo. Ainda jovem se fez guerreiro, entre idas e vindas, em tortuosas estradas, buzinando, buzinando, chamando a atenção do povo: “alô, alô, pessoal, tô chegando”. Desde cedo já sabia que seu dom era comunicar, mas para não se “trumbicar”, precisava muito mais. A vida lhe perguntou: “Vais querer ser o que, meu filho?”. Foi músico e quis ser médico, dedicando-se como nunca, até das roupas ele se livrou: “Mãe, vou estudar para ser doutor. Leve minhas roupas, pois de cueca não posso sair”. Apesar do seu esforço, seu destino lhe avisou que, em mares desconhecidos, seu porto era em outro lugar.
Foi assim que o alegre filho do nordeste desembarcou na Cidade Maravilhosa, que fervilhava em plena Era do Rádio, e encantado, embarcou nessa nova paixão. Animou o público como locutor comercial em diversas emissoras, até que uma rádio fluminense aceitou sua proposta de um programa inovador, que mantinha as pessoas acordadas em plena madrugada ao som das mais famosas marchinhas de carnaval do momento. Surgia assim O Rei Momo na Chacrinha. Com a chegada da Quaresma, era preciso encontrar um novo nome: O Cassino da Chacrinha. A criativa sonoplastia de Abelardo fazia com que a pequena chácara, sede da rádio em Niterói, se tornasse um verdadeiro cassino aos ouvidos do público. O primeiro “disc jockey” do Brasil esteve ainda em diversas outras estações e seu nome se tornou sinônimo de sucesso entre anunciantes, artistas e ouvintes. “Vai pro trono ou não vai?”
Seu carisma e irreverência o levaram para a tela da TV, exatamente no momento em que ela surgia no Brasil: Abelardo Chacrinha Barbosa inaugura sua Discoteca do Chacrinha na telinha em 1956. Passou por diversos canais e, em seu palco travestido de picadeiro (ou seria o contrário?), torna-se o pai da Tropicália, quando o seu show ganha cores. Começou a brilhar em programas dinâmicos que envolviam plateia, jurados, calouros e grandes nomes da música, invadindo as casas das famílias brasileiras com sua enorme algazarra, composta pelas sensuais chacretes, farinha e frutas por todo lado. “Vocês querem bacalhau?”
Já com alguns anos de carreira na televisão, o velho guerreiro reencontrou-se com O Cassino do Chacrinha, mantendo sob esse título seu ar jocoso e sua alegre anarquia. Sua alma carnavalesca novamente se revelou e Abelardo emprestou a voz a animadas marchinhas: o “sapatão” esteve na moda e todo mundo quis “botar a camisinha”. Confundindo mais do que explicando, continuava “balançando a pança” nas tardes de sábado, tendo nas mãos sua inseparável buzina, sempre pronta para calar esperançosos calouros… A eles restava o cruel, mas encantador, troféu abacaxi!
Em um país tão sofrido, Chacrinha representou a face de um povo que sempre escolheu sorrir, e que preferia colorir sonhos do que acinzentar sua crua realidade. Por toda a vida, sua delirante fantasia fez florescer sorrisos em um Brasil inteiro. Criança de cabelos brancos, até o fim foi “painho”, foi “maravilha”, foi mágico, foi guerreiro.
O sol se pôs. E lá se foi Abelardo Barbosa, sempre com tudo e todo prosa. Mas aqui sua luz é eterna e ainda podemos ouvir sua voz cantando: “Oh Terezinha, oh Terezinha, é um barato o Feitiço do Chacrinha”! Obrigado por tudo, velho palhaço, aquele abraço!
Texto: Daniel Guimarães e Renata Bulcão