Lins Imperial – Sinopse 2019

CARNAVAL DE 2019

SINOPSE DO ENREDO

Malandro é Malandro, Bezerra é da Silva

Lins Imperial - Logo do Enredo - Carnaval 2019

 

1° SETOR – TOMADA DE CONSCIÊNCIA

No alto do Morro do Cantagalo a vida me apressa para mais um dia. Levanto como que num susto e vejo da janela, como que numa moldura, aquela linha que separa a cidade. Por mais que não se queira ver, existe uma linha imaginária, repleta de concretude, que divide os que têm o poder de fala dos que não podem ter voz. Do lado de lá, a beleza e os direitos. Do lado de cá, o que se tem vergonha, o flagrante, o inquérito. Essa desigualdade, alimentada todos os dias, está refletida no que sou. Se não fosse o samba, eu não estaria aqui.

 

2° SETOR – O COTIDIANO DA FAVELA ESCANCARADO

Inicio minha jornada e, a cada passo descendo a ladeira, vou driblando a falta do que é básico. E a cada drible, meu caminho vai se moldando. Encontro com a rapaziada reunida, vinda de vários lugares, naquele burburinho que é peculiar. Enquanto alguns se despedem para ganhar o sustento, outros que estão de folga organizam o rega-bofe e nisso novas melodias vão surgindo, os comentários dos últimos acontecimentos são transformados em versos. Malandro de verdade é trabalhador e sábio para transformar cada tropeço em samba. Esses são os meus parceiros, meus olhos para aquilo que não consigo ver. E eu sou o porta-voz.

E tem cada uma que vou te contar… o malandro que tem de lidar com a sogra e que às vezes é feito de televisão, quando a nega resolve lhe adornar com um par de antenas, o bandido metido a bicho solto, miando na hora do sapeca iaiá, dando com a língua nos dentes. Malandro de verdade aplica a lei de Murici: cada um sabe daquilo que lhe convém, cada um sabe de si. Até quando o mané é caloteiro ou está abusando da fé alheia. Alô malandragem, maloca o flagrante e fica na atividade! O cotidiano fica escancarado e a vida na favela vai seguindo seus ciclos…

 

3° SETOR – O ASFALTO ESCANDALIZADO E A DENÚNCIA

Sigo adiante e, enfim, chego ao asfalto. Aqui embaixo me acusam de defender bandido. Acho de uma graça… Aqui, no outro lado da linha que nos divide, o povo do alto partido, escandalizado, acha que tudo que é mazela vem da colina. Condena nossa forma de pensar e de viver.

Vivemos aos pés dessa elite que nos parasita e nos condena a viver eternamente na senzala. E quem é o verdadeiro canalha? É aquele, doutor, é aquele senhor de colarinho branco que age na clandestinidade. É também aquele sujeito, cheio de caô, que aparece hoje pedindo meu voto e amanhã manda a polícia me bater. Isso é Brasil e é isso que eu canto. Digo cantando aquilo que, caso tivesse oportunidade, diria falando.

 

4° SETOR – O LEGADO/ MEU SAMBA É DURO NA QUEDA

E isso é briga pra mais de um. Sigo provando e comprovando a minha versatilidade, me juntando com gente que é de verdade. E quem mais for de verdade pode chegar, seja do samba, funk, rock, rap ou hip-hop. Seja do que quiser…

Ah, me perdoem pela falta de gentileza. Prazer, meu nome é Bezerra da Silva. Meu samba é duro na queda.

 

Pesquisa e texto: Mauro Sérgio Farias e Raphael Homem

Carnavalesco: Guto Carrilho

 

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De manhã, antes de o galo cantar no Cantagalo eu já tou de pé para mais um dia.

Eu levanto como que num susto e vejo na laje aquela linha que separa a cidade.

Por mais que eu não queira ver, existe uma linha imaginária repleta de concretude que divide os que tem o poder da fala e os que não podem ter voz.

Do lá de lá os direitos. Do lado de cá o flagrante, o inquérito e o rapa.

Essa desigualdade alimentada todos os dias está refletida em quem eu sou, no que sou.

Eu tive o meu destino traçado por mim e orientado pelas minhas forças ancestrais.

Trabalhei com obra, morei na rua.

Subi e desci o morro.

Ah, se não fosse o samba eu não estaria aqui.

Com o dia raiando, morro minha vida.

Cada passo vira um drible nas crianças que começam a tomar as vielas.

O cheiro do almoço que já começa a ser preparado invade as narinas e eu vou sendo guiado em direção ao bar, ponto-de-encontro da malandragem.

Peço meu pingado e como se tivesse marcado, encontro os meus parceiros cada um seguindo o seu fluxo.

Malandro de verdade é trabalhador.

São produto do morro.

Para o que não vejo, meus parceiros são os meus olhos.

Para o que precisam dizer, eu sou o porta-voz deles.

Isso é o Brasil e é isso que eu canto.

Digo cantando aquilo que caso tivesse oportunidade eu diria falando.

E a cada pingada do meu pingado são vidas que passam a minha frente.

Eu já vi de tudo. Desde Pai Véio 171 até pastor trambiqueiro.

Do malandro que tem que lidar com a nega e com a sogra e que às vezes é feito de televisão, quando a nega resolve lhe adornar com um par de antenas-chifres.

Coisa do amor. Aliás não aguento quando ouço essas coisas de fazer amor. Espero até hoje alguém me dizer onde é a fábrica.

Continuo descendo e logo apontam para mim.

Esse aí é que é o homem.

Como que um código de reconhecimento.

Mal sabe ele que eu sei que ele é o rei dos cheques sem fundo.

Aplico a Lei de Murici.

Cada um sabe por aquilo que lhe convém, cada um sabe de si.

Já vi bandido metido a bicho-solto miando na hora do sapeca-ia-iá.

Dando com a língua nos dentes.

Essa é a diferença do malandro pro otário.

Malandro é malandro e mané é mané!

Alô malandragem, maloca o flagrante, fica na atividade.

Tu sabe que o pai da em cana-dura.

Ah me perdoem pela falta de gentileza.

Muito prazer o meu nome é BEZERRA DA SILVA!

 

Pesquisa e Texto: Mauro Sergio Farias, Raphael Homem