CARNAVAL DE 2019
SINOPSE DO ENREDOA Peleja Poética Entre Rachel e Alencar no Avarandado do Céu |
A União da Ilha do Governador partilha o desejo de levar para a Avenida em 2019 uma proposta lúdica e prazerosa que aproxima cultura popular e educação. Bordaremos com palavras, versos e memórias a celebração do encontro entre dois expoentes da literatura brasileira no enredo “A PELEJA POÉTICA ENTRE RACHEL E ALENCAR NO AVARANDADO DO CÉU”.
O Ceará está intimamente fincado no chão de Rachel e Alencar, lugar por onde andaram e de onde extraíram elementos essenciais para a construção de seus escritos. Pisaduras na história com prosa, crônicas e lirismo. Um emaranhado de conhecimentos e sabores, desde o litoral até o sertão.
As linhas que tramam seus livros revelam saberes passados de pai para filho e assombrações que povoam o imaginário popular dessa terra cercada de mar, mas com o chão emoldurado pela seca. Fé embalada em oração e festejada ao som da sanfona e do cordel.
A Ilha vai desfilar “causos” aninhados nas páginas amareladas pelo tempo. Cenas de uma terra ornada pelas várzeas da caatinga ou por imensas campinas que se dilatam por horizontes infindo.
Ceará vem de “cemo” que, nos ensina Alencar, significa “cantar forte, clamar”. A jandaia faz ecoar nosso canto rumo aos verdes mares e borda no azul do firmamento o matiz de um encontro inédito.
Em cada brincante, cores que pincelam os sonhos, com o sotaque próprio de um povo que luta pelo sorriso e pela felicidade. Alegria compartilhada — “Sou brasileiro, sou cabra da peste, sou do nordeste, sou do Ceará”.
Setor 1 – “O Baú do Imaginário Matuto”
Era uma vez o desejo de contar histórias. Histórias únicas, impregnadas de sorrisos e abraços. Histórias que trouxessem notícias do Brasil e sua gente.
Esse universo múltiplo, de caras e figuras em constante movimento, passeia pelo sertão afora, percorre caminhos e lendas, conhece outros lugares, experimenta sabores diferentes, voa nas asas das palavras e, ao som do sanfoneiro, dança as cirandas da vida.
Assim foram surgindo as primeiras narrativas de uma peleja poética entre Rachel e Alencar. Personagens vivos numa folia colorida, contadas no avarandado do céu. Quem quiser escutar, que se aprochegue, se assim lhe agradar.
– Rachel, nobre escritora. Sensível como uma flor. Você ficará sabendo o peso de um escritor. Remexa todos os livros e conhecerá meu valor.
– Oh, ilustre menestrel, cujo nome é Alencar. Que às tradições é fiel e faz o baú do imaginário desabrochar, um universo de lendas, magia entre o homem e seu lugar.
– “Desenhavam-se a cada instante na tela das reminiscências, as paisagens do meu pátrio Ceará. Cenas estas que eu havia contemplado com olhos de menino dez anos antes, ao atravessar essas regiões em jornada e, coloriam-se ao vivo com as tintas frescas da palheta cearense.” (JOSÉ DE ALENCAR, “O nosso cancioneiro”)
– “Em frente, todos os novos caminhos para mim eram um mistério.” (RACHEL DE QUEIROZ, “Memorial de Maria Moura”)
Personagens lendários desviando caminhos para seguir em frente. Uma linda princesa (transformada numa serpente de escamas de ouro), esquecida em seu castelo com torres douradas, guardando joias, pedrarias, barras de prata e moeda aos montes para o herói audacioso que resolva lhe “quebrar” o encanto. Nas asas do vento criador, a esfinge de Quixadá e o velho Guajará passeiam, ao som do Urutaú, por trilhas nunca antes descobertas. Sons de tambores permeiam os contos do Dragão e o tesouro enterrado em Ipu.
– “O Urutaú no fundo da mata solta as suas notas graves e sonoras, que, reboando pelas longas crastas de verdura, vão ecoar ao longe como o toque lento e pausado do ângelus” (ALENCAR, “O Guarani”)
– “Iam para o destino, que os chamara de tão longe, das terras secas e fulvas de Quixadá, e os trouxera entre a fome e mortes, e angústias infinitas, para os conduzir agora, por cima da água do mar, às terras longínquas onde sempre há farinha e sempre há inverno…” (RACHEL, “O Quinze”)
– “Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu” (ALENCAR, “O Guarani”)
Setor 2 – “As crônicas de fogo e gelo”
Terra de maturação, na qual o tempo engedra caldo e doçura. Fruto prazeroso do fazer coletivo: cultivar, plantar, colher. Sua comida congrega visitantes e reúne amigos. O perfume dos seus doces aproxima os vizinhos, evocando aromas e sabores, enchendo a boca de água e os olhos de sonhos.
– Rachel, doce menina, se entendes de comidas, do sertão não faça rolo. Eu gosto de macaxeira, pamonha de milho e bolo. Buchada, sarapatel, batida, alfenim e tijolo.
– Aprecio bolo mole, carne de sol, panelada. Rapadura, sarrabulho, caranguejo, farofada. Galinha à cabidela, baião-de-dois, cuscuz do norte e cocada.
– “Compunha-se esta de uma naca de carne de vento e alguns punhados de farinha, que trazia no alforje. De postres um pedaço de rapadura, regado com água da borracha.” (ALENCAR – “O Sertanejo”)
– “Só comparo o Nordeste à Terra Santa. Homens magros, tostados, ascéticos. A carne de bode, o queijo duro, a fruta de lavra seca, o grão cozido em água e sal. Um poço, uma lagoa é como um sol líquido, em torno do qual gravitam as plantas, os homens e os bichos.” (RACHEL, “O Não me deixes: suas histórias e sua cozinha”)
-“Os lenhadores voltavam do mato carregados de feixes, enquanto os companheiros conduziam à bolandeira cestos de mandioca, ainda da plantação do ano anterior, para a desmancharem em farinha durante o serão.“ (ALENCAR – “O Sertanejo”)
“Pegamos os fardos de pano, o sal que dura sem fim. E os sacos com os mantimentos dos comboieiros comerem em caminho: feijão, farinha, e meia manta de carne seca.” (QUEIROZ, “Memorial de Maria Moura”)
Os materiais percorrem as mãos impregnadas de vivências que vão descobrindo formas e cores. Artesanato repleto de brasilidade. O olhar atento de quem cria, o sentido aguçado de quem constrói.
– Rachel, no artesanato, vidros com cores de areias, arupemba de palha, balaio da carnaubeira. Louça feita de barro, bodoque e algibeira.
– Alencar, o Mestre Noza, era um artista fiel, fazendo a literatura, cumprir social papel. Inter-relacionou xilogravura e cordel.
– “Às vezes sobe aos ramos da árvore e da lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios de crautá, as agulhas de juçara com que tece a renda…” (ALENCAR, “Iracema”)
– “No bolso, pouco dinheiro e um pedaço de fumo. Um chapelão de palha bem trançado e fino, que era a especialidade do mulherio do lugar, mas nenhuma delas se apurava no tecido dos chapéus para vender em quantidade, em alguma feira.”[…]”Encomendei à nossa velha louceira, toda a louça de barro, as panelas, potes e alguidares.” (RACHEL DE QUEIROZ, “Memorial de Maria Moura”)
Setor 3 – “Fica então um bom desejo, que seja lindo seu festejo”
No dedilhar da viola caipira, vamos construindo a folia de brincar. Sagrado e profano andam juntos para bordar rio e mar. A música traz o convite para embarcar no tempo: passado e futuro. A fé aguça o desejo de conhecer novos desafios. Encantamento. Contar a história por meio da palavra e da imagem.
– Rachel dama de fé, as festas folclóricas que tanto animam o sertão são feitas no Ceará, incluindo as do chitão. Reisado e maracatu e Padim Ciço Romão.
– Alencar, meu bom senhor, quadrilhas, cirandas e boi de chifre dourado, são festas bem conhecidas de meu povo rogado. Procissão de São Pedro com barcos enfeitados.
“Logo depois vinham os Reis com as suas cantigas, as suas romarias noturnas, as suas coletas para o jantar do dia seguinte[…] Ao Espírito Santo armavam-se as barraquinhas, e faziam-se leilões de frutos e de aves.“ (ALENCAR, “Ao correr da pena”)
“Alguns dizem que o padre está debaixo do chão: os incréus, os materialistas. Porque a gente que tem fé conta que Meu Padrinho, vendo a choradeira do povo, ressuscitou ali mesmo, sentou¬-se no caixão, sorriu, deu bênção, depois deitou¬-se outra vez e seguiu viagem dormindo, até à igreja do Perpétuo Socorro.” (RACHEL, “O Padre Cícero Romão Batista”)
“Então entraram, cada uma de seu lado, duas quadrilhas adereçadas com roupas muito lindas, uma de verde e amarelo, que era a dos pernambucanos, e outra de encarnado e branco, que era a dos lusitanos. Correram primeiro as lanças; depois jogaram as canas e alcanzias, fazendo várias sortres como costumam.” (ALENCAR, “O sertanejo”)
“Dançam o congo e suas pantomimas guerreiras, dançam-se as sortes em redor das fogueiras de São João.” (RACHEL, “O Senhor São João”)
“A donzela vinha radiante de formosura e graça. Debuxava-lhe o talhe airoso um vestido de lhama de ouro, justo e de estreita roda.” (ALENCAR, “O Sertanejo”)
“Lá pela minha zona, que já é sertão autêntico, o único festejo popular que apaixona e consome dinheiro e energias é o boi. Essa sim, tem ainda muita força no coração do povo. Tem burrinhas com saia de rendas, tem bois com chifre dourado, babaus enfeitados com fitas de gorgorão, e os trajos dos velhos são quase tão caprichados quanto os cordões de carnaval dos cariocas.” (QUEIROZ, “O Senhor São João”)
“Aproveitemos a estiada da manhã, e vamos, como os outros, acompanhando a devota romaria, assistir à festividade de São Pedro” (ALENCAR, “O Sertanejo”)
SETOR 4 – “Ser tão arretado de bom”
São tantas horas de sertão rachado, tantos mares desbravados, tantos caminhos trilhados para conhecer novos mundos. A beleza encanta nas trilhas onde tudo leva para qualquer lugar. Florestas enfeitiçadas pela lua, águas doces cristalinas pelos raios do sol ardente, mares verdes como joias de pedras raras. Natureza generosa que nos convida a dar a volta ao mundo girando o globo na própria mão. Viajar de barco, de avião, de ônibus, de trem para desvendar os mistérios durante o percurso.
– Rachel que orgulho tenho, dos fósseis de Cariri ao pé da Ibiapaba. Bichos, flores e frutos, tantas belezas raras. Grande Açude do Cedro, queda d’água abençoada.
– Gosto também, Alencar, de balonismo nos céus, com cores agigantadas. Famosa do litoral, a bela Canoa Quebrada. Parque de Água doce, praias de água salgada.
“Esta imensa campina, que se dilata por horizontes infindos, é o sertão de minha terra natal. Aí campeia o destemido vaqueiro cearense, que à unha de cavalo acossa o touro indômito no cerrado mais espesso, e o derriba pela cauda com admirável destreza…” (ALENCAR, “O sertanejo”)
“Eu também me fazia contar coisas do meu Cariri natal, que era ali tão exótico e distante quanto as agulhas de Cárpatos.”(RACHEL, “As Três Marias”)
“Veio pelas matas até o princípio da Ibiapaba, onde fez aliança com Irapuã, para combater a nação pitiguara. Eles vão descer da serra às margens do rio em que bebem as garças.” (ALENCAR, “Iracema”)
“E o Cedro grandioso grita, a se remirar no seu paredão alto, nos seus mosaicos, nos correntões que pendem em marcos de granito.” (RACHEL, “Mandacaru”)
“A praia ficara deserta; e nas águas tranquilas da baía, apenas as nereidas murmuravam, conversando baixinho sobre o acontecimento extraordinário que viera perturbar os seus calmos domínios.” (ALENCAR, “Ao correr da pena”)
“Essa ligação de amor que o nordestino tem com a sua terra… Pensando bem, será mesmo de amor? Ou antes: será só amor? Talvez maior e mais fundo, espécie de mágica entre o homem e o seu chão, simbiose da terra com a gente. Vem na composição do sangue. Aquela terra salgada que já foi fundo do mar tem mesmo o gosto do nosso sangue.” (RACHEL, “As terras ásperas”)
Setor 5 – “A beleza arrochada no aprumo”
Um pouco de cera para o couro, um pouco de linha para costurar a vida. Um pouco de mistério nos desenhos que se movem ao caminhar. Milhares de finos fios movimentam-se como tramas de nossos sonhos. O giro do bilro sustenta o equilíbrio e o desejo de novas formas.
– Raquel aqui te digo, o Mestre mais conhecido é Expedito Seleiro. Gibão e mais aparatos que ornamentam o vaqueiro. Moda característica do couro brasileiro.
– O aprumo, amigo Alencar, é moda feita com amor. Moda de dormir, moda de praiar. No salão nobre ou na pista, o artista a desfilar, com riquíssimos atrativos, conquista o além-mar.
“Vestia o moço um trajo completo de couro de veado, curtido à feição de camurça. Compunha-se de véstia e gibão com lavores de estampa e botões de prata; calções estreitos, bolas compridas e chapéu à espanhola com uma aba revirada à banda e também pregada por um botão de prata.“ (ALENCAR, “O sertanejo”)
“Olhei para mim mesmo, ali, sentado no chão, a roupa de brim pardo, as grossas botas reiúnas, o lenço no pescoço. Tudo surrado e encardido…” (RACHEL, “Memorial de Maria Moura”)
“Ao lado pendia-lhe do talim bordado a espada com bainha também de ouro e copos cravejados de diamantes, como o argolão que prendia-lhe ao pescoço a volta de fina cambraias, cujas pontas caíam sobre os folhos estofados da camisa.” (ALENCAR, “O sertanejo”)
“Na grande mesa de jantar onde se esticava, engomada, uma toalha de xadrez, duas xícaras e um bule, sob o abafador bordado.” (RACHEL, “O Quinze”)
“Preso por um airão de ouro, o longo véu de alva e finíssima renda, todo semeado de raminhos de alecrim e flor de laranja, com lizes de ouro, descia-lhe até os pés, e arfando às auras matutinas.” (ALENCAR, “O Sertanejo”)
“Agora, o quarto onde ela mora é o quarto mais alegre da fazenda, tão claro que, ao meio dia, aparece uma renda de arabesco de sol nos ladrilhos vermelhos.” (RACHEL, “Telha de vidro”)
“Ao ombro esquerdo traziam eles alvas toalhas do mais fino esguião lavradas de labirinto com guarnições de renda, trabalhos estes em que as filhas do Aracatí já primavam naquele tempo, e que lhes valeu a reputação das mais mimosas rendeiras de todo o norte”. (RACHEL, “O Sertanejo”)
– Nossa gente tece o mundo, e o mundo se enredou. Com rendas de fino trato, que a rendeira criou. Borda o pano e a vida, que tanto a Ilha cantou.
E assim desfilam peões com couros coloridos pelos salões, damas de rendas formosamente belas pelas areias. Avançam e seguem em frente traduzindo um novo sentido para as histórias desse povo que luta pelo sorriso e pela felicidade. Gente forte, gente guerreira, um sem fim de personagens e suas andanças pelo reino da folia.
“Acabaram com a Praça Onze, mas viva o carnaval da Ilha. Acima de tudo, viva a Ilha.” (QUEIROZ, “Saudades do Carnaval”)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Obras de José de Alencar:
ALENCAR, José de. “O Nosso Cancioneiro”. In: Obra Completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1960.
______________. “Iracema”. In: Obra Completa. Riode Janeiro: Editora José Aguilar, 1959.
______________.“Ao correr da pena”.In: ObraCompleta. Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1960.
______________.“Como e porque sou romancista”. São Paulo: Companhia Aguiar Editora, 1959.
______________.“O Sertanejo”. 13 ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007.
______________. “O Guarani”. São Paulo: Ática, 2003.
Obras de Rachel de Queiroz:
QUEIROZ, Rachel de. “As Três Marias”. Rio de Janeiro: José Olympio,1979.
______________. “O Quinze”. São Paulo: Siciliano, 1997.
______________. “O Não Me Deixes: suas histórias e sua cozinha”.São Paulo: ARX, 2004.
______________. “Memorial de Maria Moura”. Rio de Janeiro:José Olympio, 2007.
______________. “O nosso Ceará”. Fortaleza:Fundação Demócrito Rocha, 1996.
Outras obras consultadas:
CAVALCANTE, Tiago Vieira. “Geografia literária em Rachel de Queiroz”. Rio Claro-SP: Tese (doutorado) – Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, 2016.
HOLLANDA, Heloisa Buarque de. “Coleção Melhores Crônicas: Rachel de Queiroz”. São Paulo: Global,2012
NERY, Hermes. “Presença de Rachel: conversas informais com a escritoraRachel de Queiroz”. Ribeirão Preto: FUNPEC-Editora, 2002.