"ARTE
NEGRA NA LEGENDÁRIA BAHIA"
“Essa
gente de cor chegou ao Brasil nos tempos da colonização e trouxe nos
braços a força que realizou um gigantesco trabalho, aflorando nossas
grandes riquezas agrícolas e minerais. E, no espírito, o poder de
plantar em nossas terras a confiança em sua cultura milenar e mágica...”
Primeira Parte – As Nações Africanas
Dos Séculos XVI a XVIII, da Guiné, de Angola, da Costa da Mina chegou à
Bahia o maior número de escravos importados da África, de nações
diversas: Haussás, Iorubás, Iolofás, Islamitas, Mandingas, Congos,
Bantos, Achantis, Gegês, Tapas, Fulah’s, Grúcis, Caçanjis, Benguelas,
Muxicongos e muitas outras que desapareceram sem deixar traços.
Após viagens sofridas, mal acomodados, famintos, doentes, castigados,
eram amontoados nos barcos (tumbeiros) de onde iam para a venda,
misturados em suas originalidades e diferenças. Passavam a levar como
nome de família aquela do seu país: Maria Nagô, João Congo, Francisco
Ibo, Maria Ioruba, etc.
“Abram alas meus tumbeiros
Aos sete portais da Bahia
É a Arte Negra que desfila
Com seus encantos e magia.”
Durante três séculos, a herança africana manifestou-se largamente ao
lado da herança portuguesa. Esta última, legou sua sociedade como sua
civilização, enquanto a escravidão africana destruiu a sociedade
daqueles grupos importados nos tumbeiros, permitindo que o negro,
despojado de todo o seu “modus vivendi”, trouxesse consigo seus valores
culturais.
O negro debateu-se, tendo que se adaptar a uma sociedade que lhe foi
imposta e da qual usufruiria apenas uma parte restrita. Não foi
permitida a subsistência da estrutura social negra na nossa terra, indo
sua gente ocupar a camada mais baixa de uma nova estratificação, onde o
branco era o ápice e o mulato e o caboclo ficavam na faixa
intermediária.
A comunidade africana não teve meios de renascer de imediato no Brasil,
entretanto, o próprio negro era a expressão autêntica do seu meio
social. Com eles vieram seus costumes, crenças, danças e todo um
manancial de cultura que, aos poucos, foram se incorporando à nossa
formação.
No princípio, entoavam cantos de lamentos evocando a terra distante,
como se a tivessem perdido para sempre. À medida que o tempo foi
passando o negro foi ganhando amor à sua nova terra. E foi participando,
dando tudo de si e adquirindo conquistas e alegrias. Criaram irmandades
e associações, organizaram folguedos, exteriorizaram sua arte e
conseguiram o maior sonho, que era o de todos os brasileiros, a abolição
da escravatura.
Daí por diante, sua contribuição se fez sentir com mais ênfase em todos
os setores da vida Nacional. E foi decisiva para a formação de nossa
raça que, sem preconceitos, oferece ao mundo, o maior espetáculo popular
da terra que é o nosso Carnaval.
PARTE II – Legendária Bahia
“Bahia – terra das praias rendilhadas de beleza. Das 365 igrejas
monumentais. Dos milhares de turistas que procuram conhecer o berço da
nossa cultura, a primeira capital do Brasil. Bahia, terra de riquezas:
petróleo, cacau, fumo e coco. Bahia de todos os santos e de todos os
orixás. Bahia, onde não é preciso fechar os olhos para sonhar, o mais
lindo sonho é a realidade que a Boa-Terra oferece aos olhos de quem ama
a beleza, o progresso e o Brasil. Bahia – legendária... Bahia”.
A presença do negro africano ainda hoje é marcante e a ela é atribuída à
grandeza da terra que tantos vultos deixou na história, como, Rui
Barbosa, Castro Alves e outros, autores de obras culturais de exaltação
ao valor negro, na arte, na música, na dança, na religião, na culinária,
no artesanato, em suma, na formação cultural do Brasil.
Sem fixar seus pontos turísticos, é a Bahia famosa, de ponta a ponta,
quer pelo sertão ou pelas plagas banhadas pelo São Francisco, o
importante é dizer, que “em cada espaço baiano existe um palmo
africano”.
Bahia, das velhas baianas vendedoras de quitutes, do abará e do acarajé;
das capoeiras, do samba de roda, do candomblé. Bahia dos mercados
famosos, como o Sete Portais, Mercado Modelo, São Joaquim, Água de
Menino, onde fica o cais dos saveiros que transportam verduras, peixes e
mariscos. Dos vendedores de frutas e de animais. É o mundo das baianas
com seus manauês e seus beijus, seus torsos de seda e seus panos nas
costas.
“Da sua terra trouxeram a saudade
A capoeira, o berimbau
Os enfeites coloridos
O pilão e a colher de pau”.
Os batuques estão em todos os lugares e em todas as horas. Nas praias,
nos mercados, nas festas, nas ruas. E assim, como os grandes eventos são
anualmente comemorados, os quadros de origens africanas são relembrados
dentro do rigoroso ritual, como por exemplo, a capoeira.
A capoeira da Angola é um folguedo inventado pelos negros que é
realizada acompanhada de uma pequena orquestra composta de instrumentos
como o berimbau, ganzá, agogô e pandeiro. Mestre Pastinha possuía a mais
famosa delas, a Academia de Capoeira de Angola.
Um outro quadro conservado – o da pesca do xaréu. O pescador da Bahia se
basta e ao seu pequeno mundo colorido. O famoso quadro da puxada da
rede, verdadeiro ritual, obedece a princípios rigorosos e é o ponto
culminante de um trabalho de meses, durante os quais dezenas de famílias
teceram a enorme rede do xaréu.
Mas outras razões existem para que a Bahia ocupe esse lugar de relevo na
história Nacional. A tradição de tudo que ali criaram e respeitada pelos
seus filhos é o motivo maior de tudo.
“As baianas com seus vestidos brancos e rodados, braceletes, torso
branco na cabeça, brincos enormes são vistas em todas as esquinas, dando
continuidade àquele trabalho iniciado na luta: abolição. Hoje,
trabalhando de sol a sol pela independência cultural, social e
econômico-financeira. Ontem, pela liberdade”.
Parte III – Arte Negra
“Na escultura, porém, é que com mais segurança e aprumo se revela a
capacidade artística dos negros. O seu cultivo apreço, entre os escravos
que vieram colonizar o Brasil, tanto que comprovam nas presunções
indutivas como no testemunho de fatos e documentos. Nas levas de
escravos que, por três longos séculos, tráfico negreiro, de contínuo,
vomitou nas plagas brasileiras, vinham, de fato, inúmeros representantes
dos povos africanos negros avançados em cultura e civilização”.
Os africanos desenvolveram em larga escala a fabricação de vasos de
barro, cestas de palha, máscaras, escultura em madeira, objetos
decorativos em ferro, bronze e metais. Os negros da Guiné destacaram-se
na agricultura. Os Bantos inclinavam-se mais para os serviços
domésticos, e para os ofícios de ferreiros, sapateiros e joalheiros.
Das culturas negras difundidas na Bahia, a Iorubá foi a mais adiantada:
os iorubás influenciaram na linguagem geral dos negros – o nagô e deles
surgiram os cultos, a fé mística – em ambientes fechados. Foi através
dos iorubás que a Igreja permitiu aos negros formarem suas Irmandades e
Associações religiosas, tão importantes pela demonstração de fé em
situações diversas. Foi grande o legado da cultura iorubá: o Candomblé.
Quanto aos Bantos, introduziram a adoração aos ídolos de madeira, sempre
representando o Rei Congo e a Rainha Ginga. Todas as festas de rua,
sejam o culto ao boi, o samba, a capoeira e o Imperador do Divino,
realizadas aos domingos em épocas distintas, vêm da cultura gegê.
Legaram-nos as pencas de balangandãs, os instrumentos para o trabalho em
ferro, a formação dos quilombos e a moradia nos mocambos.
A arte sacra foi marcada desde o Século XVIII: culminou com o estilo
barroco nos trabalhos esculpidos nas igrejas da Bahia, a talha e os
próprios santos.
“Falavam a língua nagô
Rezavam forte com fé
Talhando arte deixaram
Imagens do candomblé
Pro mau olhado figa de Guiné”.
Tivemos maravilhosa influência negra nas letras e ciências. Todos os
seus cantos se transportaram para a Bahia numa literatura oral, como o “Akpalô”,
contos populares da Nigéria. O símbolo maior foi o Pai João.
Na indumentária trouxeram os panos de cores berrantes, saias rodadas, os
xales, braceletes, argolas e balangandãs. Trajes esses semelhantes aos
dos Haussás, de origem maometana que na Bahia se chamavam malês. Ainda
na cultura material temos os pratos típicos, liderados pelo uso do
inhame, do azeite-de-dendê.
Podemos dizer que os povos que forneceram escravos para a Bahia tinham a
dança como instituição: danças religiosas, fúnebres, autos de caças, de
guerra e de amor. Do quizomba – dança nupcial de Angola – traduziu-se o
samba, cujo termo é proveniente de sembe ou umbigada usada no bamboleio.
Na Bahia os negros implantaram o samba, sorongo, batuque, candomblé,
batuquegê e outras danças, usando vários instrumentos como o atabaque,
tambor, berimbau, ganzá, agogô e outros de percussão.
O século do tráfico, período de ilegalidade, pois já se decretara a
proibição inglesa, foi o Século XIX, quando os negros importados
entravam clandestinamente no Brasil, quase não atingindo o território
baiano, a não ser em estreita minoria.
Politicamente o negro participou de movimentos revolucionários, como na
defesa e expulsão dos holandeses – Henrique Dias; na Sabinada, em 1837
–o mulato “Sabino”; e na campanha abolicionista, o baiano escravo, Luiz
Gama.
“Iorubá, bantos gegê
No terreiro dançavam
Samba e batuquegê”.
Parte IV – Cultos e tradições
“A Bahia da magia, dos feitiços e da fé. Bahia que tem tanta igreja e
tem tanto candomblé”.
Perseguido pelo branco, o negro na Bahia escondeu as suas crenças nos
terreiros das macumbas e dos candomblés. O folclore foi a válvula de
escape pela qual ele se comunicou com a civilização branca,
impregnando-a de maneira definitiva. As suas primitivas festas cíclicas
– de religião, de amor, de guerra, de caça e de pesca –
entremostraram-se assim disfarçadas e irreconhecíveis. O negro
aproveitou as instituições e por elas canalizou os seus conhecimentos, o
seu inconsciente ancestral: nos autos europeus e ameríndios do ciclo das
janeiras, nas festas populares, na música e na dança.
Nos seus terreiros de candomblés eles festejavam seus deuses em festas
sagradas de grande beleza, no culto aos Orixás, entre estes os mais
conhecidos: OGUM (divindade dos ferreiros e dos guerreiros). OXOSSE
(divindade dos caçadores). OXUMARÉ (deusa do Arco-Íris). XANGÔ (deus do
trovão). IANSÃ (divindade do vento e das tempestades). OXUM (divindade
das águas doces). ABALUAIÊ chamado também de OMULU (divindade da varíola
e das doenças contagiosas). ERÊS (divindade das crianças). NANÃ (deusa
da chuva). OXALÁ (Rei de todos os Orixás). YEMANJÁ (divindade das águas
salgadas, mãe de todos os Orixás).
A participação dos negros africanos na implantação das festas baianas
foi decisiva. Eles trouxeram os ritmos, os cantos e introduziram os
diferentes festejos que hoje, orgulhosamente, são conservados na Bahia.
A festa do Bonfim, em janeiro, e a de Yemanjá, em fevereiro, são dois
grandes eventos tradicionais, onde são consideradas festas populares
muitas outras como a da Lapinha, da Ribeira (Onde começa o Carnaval),
Micareta, Feira dos Caxixis, Festa de Omulu, Bom Jesus dos Navegantes,
Conceição da Praia. Vale registrar a data da consagração nacional da
Independência da Bahia – o 2 de julho.
De todas essas festas, ressaltamos a Festa de Yemanjá, realizada
anualmente no dia dois de fevereiro, com danças, toques e cânticos, com
a participação de milhares de fiéis que levam suas oferendas – flores,
espelhos, perfumes, fitas e velas à Rainha do Mar.
A Festa do Bonfim é outro grande acontecimento no mês de janeiro.
Centenas de baianas com potes de barro contendo água, vão lavar os
degraus da famosa igreja, entoando cantos e preces nos dialetos
africanos, acompanhadas de palmas e toques de atabaques, num ato de
renovação, de respeito, de fé e amor ao grande Pai Oxalá.
“Ricas mucamas de branco
Com flores num só canto
Vão a igreja do Bonfim ofertar
Água no pote ao pai Oxalá.”
Sylvio Cunha
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