"NEGRA, PÉROLA MULHER"
No início, apenas a
escuridão e o vazio.
Orunmilá, meu Deus supremo, me legou o dom da criação e da transformação,
Sou Ìyámì, a grande mãe ancestral, senhora dos pássaros, Eleèye.
Matizei cor e vida, emoldurei paragens exuberantes, África.
Fiz-te berço de civilizações, morada de guerreiros.
Nesta terra me tornei Gèlédé, negra feiticeira,
Danço para a vida, para a natureza.
Despertei paixões afrontando costumes e tradições milenares,
Minha ousadia foi perfume sedutor que ao grande rei encantou.
Sou mulher forte, desafiei e fui desafiada,
Nunca me rendi, nunca temi nada.
Pelas mãos do branco fui levada a um novo mundo,
Escrava da dor e do sofrimento.
Mas resisti, tornei-me quilombola,
Meu sangue de guerreira me fez rainha audaciosa,
Santa e bela como uma rosa.
Perpetuei o clamor aos meus deuses encantados,
Ao som dos tambores todos foram louvados.
Minha beleza foi fonte de inspiração dos artistas em suas criações,
Fui estrela, negra musa, mulher inspiração.
Sou mulher brasileira em cena,
Estou no esporte, na dança e literatura,
Tenho o dom de cantar e encantar.
Hoje, sou vitoriosa, não há barreiras ou fronteiras,
Sou símbolo de fé de toda uma nação,
Mãe padroeira de todos os corações.
Sou negra, pérola mulher.
1º setor:
Gèlédè - As Grandes Feiticeiras
"E kúnl è o, e Kúnl è
f'obinrin o
E obinrin l'ó bí wa, k'àwa tó d'enia
(Ajoelhem-se para as mulheres. A mulher nos colocou no mundo, nós somos
seres humanos.)
Quando Orunmilá criou o
universo, legou às ÌYÁMÌ - as grandes mães ancestrais - a responsabilidade
por toda a criação e transformação da vida.
E se fez então maravilhosa
criação emoldurada com paragens exuberantes. África.
Do seu chão brotou a flora que se espalhou pelas savanas e foi amparada em
fortes raízes de grandes árvores. Tudo isso banhado por inúmeros rios e
fontes d'água cristalina. Fez-se habitat para a fauna de pássaros e feras, e
outros milhares de animais das mais variadas formas e cores, criando um
colorido que só ali existia.
Em meio a toda beleza, fizeram daquele lugar o berço da humanidade. O grande
ventre que embalou os primeiros seres humanos. E os teus seios os
alimentaram propiciando sua perpetuação, e o surgimento de sociedades
tribais.
Durante a organização dos
povos africanos, os Iorubás destacaram-se como exímios guerreiros e
artesões. Além disso, alguns registros históricos remetem a criação de uma
sociedade secreta e religiosa interna denominada GÈLÈDÉ, com a
particularidade de ser formada apenas por mulheres sacerdotisas das Ìyámì.
Eram respeitosas feiticeiras, seus atos litúrgicos ligavam a figura da
mulher como fonte de toda vida existente, acreditando que sem a força da
essência feminina não poderia existir vida, não brotariam plantas e os
animais e seres humanos não procriariam para sua perpetuação.
O rito mais conhecido dessa
sociedade seria o ÈFÈ-GÈLÈDÈ, rito da máscara do pássaro, em louvor a Eléeye
- a "mãe senhora dos pássaros" - e realizado durante o período inicial do
plantio, buscando a boa fertilidade da terra. Durante as festividades era
praticada pelas mulheres a louvação ao poder feminino da criação, da geração
e perpetuação da vida, pois acreditavam que assim seria atingido o perfeito
equilíbrio entre os seres humanos, a natureza e as Ìyámì.
Ogbon àiyé t'obinrin ni, e kúnl è f'obinrin
E obinrin l'o bí wa o, k'àwa tó d'enia"
(A mulher é a inteligência da terra. A mulher nos colocou no mundo, nós
somos seres humanos).
2º setor:
Negras Guerreiras em Solo Africano
Ao passo em que era escrita
a história da humanidade, muitas mulheres se revelaram verdadeiras
guerreiras. Defendiam seu povo, sua honra e seus ideais. Em solo africano
elas também ajudaram a escrever várias dessas passagens.
Há muito tempo antes de Cristo, no antigo Egito, a astúcia e beleza da
mulher negra foram capazes vencer costumes e tradições.
Tiye, uma negra Nubia, reinou soberana ao lado do faraó Amenhotep III. A
grande rainha possuía desde muito jovem beleza ímpar e vasta sabedoria,
dominava como ninguém assuntos religiosos e políticos. Amenhotep III se
apaixonou perdidamente pela bela negra que afrontava a todos com bom senso e
vitalidade, mesmo sem possuir sangue real. Tiye foi esposa devotada, mãe,
rainha amada e respeitada durante seus trinta e sete anos de reinado.
Também se destacaram nas
atividades comerciais. Makeda, soberana do reino de Sabah, garantiu ao seu
povo fartura e riqueza através de uma primorosa estratégia de compra e venda
de especiarias por toda África.
Ousada, sua fama despertou a curiosidade do Rei Salomão que a convidou para
conhecer o seu reino. Makeda partiu de Sabah com destino a Israel comandando
uma imponente caravana de mais de oitocentos camelos, levando consigo muito
ouro, pedras preciosas, perfumes, temperos e animais.
Após três anos de viagem sua comitiva chegou a Jerusalém. Durante seis meses
a negra demonstrou notável diplomacia e sabedoria capaz de causar inveja aos
maiores soberanos da terra. Salomão perdeu-se de paixão, rendeu honras e
mandou gravar em várias escritas que em seu reino um dia esteve a admirável
senhora das especiarias, a Rainha de Sabah.
A fé também foi motivo de
massacres e guerras. Com a insaciável sede de muitos povos em expandir suas
fronteiras, dominar rivais ou desconhecidos os convertendo à sua pratica
religiosa era motivo de júbilo para suas divindades.
Em meio a esses conflitos, as terras da África do Norte foram palco de
sangrenta disputa. Nessa região, árabes muçulmanos desejam ter total
controle das terras, fontes de riquezas e outros povos. Guerreiros
implacáveis, jamais aceitavam a profissão de outra fé que não fosse o
islamismo.
Em meio a vitoriosas campanhas, os árabes se depararam com forte resistência
do povo Jarawa que era liderado pela rainha hebreia Dahia-Al Kahina.
Herdeiros da família de Aarão, irmão de Moisés, os Jarawa professavam a fé
judaica. Kahina, assim como seus ancestrais, jamais aceitou imposições
contra seu povo; chegando a transforma-los no maior foco de resistência
contra a dominação árabe na África do Norte.
Kahina também ficou conhecida como bruxa por profetizar grandes feitos
durante seu reinado. Um dos seus maiores atos antes de sua queda foi
conseguir ultrapassar as barreiras religiosas e unir vários povos da região
contra os árabes sob o lema: "Leões de Judá e África contra a propagação e a
escravização do islamismo".
Politicamente as mulheres
negras também tiveram importância histórica na África. Uma das figuras mais
conhecidas é de Nzinga Mbandi Ngola, ou simplesmente Nzinga. Audaciosa,
figurou primeiramente como embaixatriz em Luanda e durante trinta anos
disputou com portugueses a independência e soberania de seu povo, culminando
num acordo de paz entre os mesmos e sua conversão ao cristianismo.
Contudo os portugueses não levaram a diante o acordo e perante hesitação de
seu irmão - até então rei - com o fato, Nzinga manda envenena-lo e assume o
poder. Considerada indomável, a rainha usou de habilidosas estratégias de
guerra e política para conter o avanço do domínio português sobre o seu
reino. Mesmo assim, o fato de ser mulher causava certo incomodo até mesmo em
seus súditos, o que levou a rainha a adotar uma postura masculina, liderando
batalhas e chegando a trajar os homens de seu harém de mulheres.
Soberana, Nzinga reinou até os seus oitenta e dois anos, dominou tribos e
vendeu seus inimigos como escravos; e acima de tudo, deu ao seu povo anos de
grande prosperidade, conquistando assim respeito e admiração de outros
monarcas.
Guerras e massacres se
tornaram comuns e manchavam de sangue aquele chão. As invasões inglesas
foram as mais cruéis. Em uma das invasões feitas no Zimbábue a crueldade era
tamanha que povoados inteiros foram dizimados, em outros lugares havia
invasão de terras e rapto de gado.
De tanto presenciar e viver o sofrimento de sua gente, Nehanda - que havia
se tornado líder espiritual de seu povo - foi à luta contra os invasores.
Sem contar com exercito expressivo, a jovem conseguiu unir outras lideranças
tribais e assim conter por algum tempo a invasão. Quando não mais havia
guerreiros e armas, Nehanda foi capturada e degolada, porém, se tornou
símbolo maior da sua resistência de seu povo.
A invasão britânica já
durava muitos anos, com os Ashanti a batalha já era travada há mais de cem
anos.
Notáveis guerreiros e estrategistas, os Ashanti mantinham o "Cetro Dourado"
como seu símbolo de poder e soberania. Após várias tentativas de invasão, os
ingleses conseguiram capturar o herdeiro do reino, dos poucos que restaram,
uma mulher se destacou por jamais se curvar a todo aquele cenário de flagelo
e destruição, Yaa Asantewaa era seu nome.
A bravura demonstrada pela negra em outras batalhas a tinham feito líder de
seu povo.
Visto que os homens não demonstravam mais motivação para lutar pelo resgate
de seu rei, Yaa Asantewaa fez um clamor a todas as mulheres de seu povo para
que juntas e de armas na mão expulsassem o branco invasor e regatassem seu
soberano. Asantewaa e as mulheres não desistiram, sua bravura foi tamanha
que dominaram os ingleses até a chegada dos reforços que culminaram na
derrota dos Ashanti.
Yaa Asantewaa foi capturada e mandada ao exílio sendo a última mulher a
comandar um levante contra invasores na África. Morreu longe de sua terra
natal, porém jamais esquecida pela bravura e amor a seu povo e suas
tradições.
3º setor:
Bravura e Ousadia, Negras do Brasil
Quando aos olhos dos
navegantes descortinou-se um novo mundo repleto de riquezas, junto a todas
as maravilhas daquelas terras que eram consideradas livres do pecado e de
qualquer tristeza, nascia o Brasil.
Com o tempo cada pedaço dessas terras foi cercado, colonizado, dominado. A
então colônia de Portugal e Espanha ganhava traços e formas, aos poucos
doava suas muitas riquezas para saciar a cobiça dos reis e rainhas de
além-mar.
Mas nada nessa terra foi
feita pelos ditos descobridores, benfeitores ou colonizadores, tudo que se
via erguer e transformar era fruto do trabalho de negros escravizados.
Quando aqui chegavam, os negros eram expostos nos cais dos portos como
mercadorias vivas para serem arrematados. Não havia escolha, apenas muito
trabalho regado a maus tratos, miséria em péssimas condições de vida e
higiene. Nem mesmo as mulheres foram poupadas dos serviços braçais,
misturadas aos homens exerceram os mesmos ofícios impostos pelos seus
senhores. Plantavam, colhiam e mineravam, em alguns casos eram destinadas
aos serviços do lar na casa grande e aos cuidados de suas senhoras e seus
filhos.
Em meio a tantas
humilhações e maus tratos, o Brasil viu nascerem guerreiras que clamavam a
chegada de um novo tempo para o negro nesse chão. Consagradas ou não pela
história, a negra teve papel fundamental na transformação da sociedade
brasileira.
Dentre tantas figuras,
Anastácia sem dúvida é um dos maiores símbolos da resistência da mulher
negra brasileira.
Filha bastarda do seu próprio senhor, a negra muito bela e de olhos azuis,
era curandeira e auxiliava no tratamento dos doentes da região em que vivia
em Minas Gerais. Anastácia sempre negou ser tocada por qualquer homem, o que
lhe rendia muitos castigos e açoites, ordenados principalmente pelas
senhoras e suas filhas, que conheciam a beleza da negra e a acusavam de
seduzir seus maridos ou pretendentes. A negra jamais se curvou para os
desejos sexuais dos seus senhores, em uma da muitas vezes que resistiu a
cobiça dos homens, a negra acabou sendo violentada e como castigo foi lhe
colocada uma máscara de ferro para que não mais levantasse a voz contra seus
senhores.
Muitos creem que mesmo após sua morte a escrava Anastácia ainda operaria
curas a doentes que clamam por seu axílio, criando assim uma espécie de
devoção popular que a denomina como "escrava santa dos olhos azuis".
Ao passar dos anos o desejo
de uma vida melhor para os negros se tornava mais forte. Fugas das fazendas
e a criação de quilombos eram cada vez mais comuns, eram formas de combater
toda crueldade imposta pela escravidão.
Palmares é a maior referência histórica da resistência dos negros, o
quilombo que tomou proporções gigantescas na serra da barriga em Alagoas é
considerado até mesmo como um dos primeiros modelos de república pelos
historiadores.
No quilombo surge a figura de Dandara, esposa de Zumbi. A negra era líder de
toda a parte feminina do exercito palmarino, dominava como nenhuma outra a
arte da caça e capoeira, também sabia empunhar armas de guerra.
Há poucos registros de sua história, mas o que se sabe é que Dandara jamais
aceitou os acordos de paz feitos na tentativa de preservar a existência de
Palmares, sempre demonstrou acreditar que a soberania do quilombo vinha das
lutas e vitórias daqueles que o constituíam. Lutou ao lado do marido na
defesa de Palmares por muitos anos, quando estava para ser capturada se
lançou da pedreira mais alta da serra da barriga, pois nunca aceitou ser
escrava.
Por aqui também houve
negras que se destacaram por romper as barreiras impostas pelos costumes e
tradições das sociedades de sua época.
Conhecida por ser uma pessoa de atitudes extravagantes, Chica da Silva fez
história no Arraial do Tijuco montando uma pequena corte de escravos. A
negra que foi alforriada e se casou com o contratador João Fernandes de
Oliveira, esbanjou todo luxo e pompa possíveis, até mais que muitas senhoras
brancas da região.
Das suas ousadias, Chica dizia ter criado sua própria corte onde ela era a
rainha e tinha o costume de vestir seus escravos como nobres da corte
portuguesa com direito a maquiagem e perucas, nunca aceitou injustiças e sua
postura às vezes séria demais fez dela uma figura respeitada e por vezes
temida.
Lembrança também é feita a
Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz, uma das primeiras mulheres negras no
Brasil a conseguir publicar um livro de sua própria autoria e artigos em
revistas acadêmicas contando sua história de vida.
Rosa ainda muito jovem viveu como meretriz em Minas Gerais, quando completou
trinta anos foi acometida de visões divinas que a levaram a abandonar o
meretrício e vender todos os seus bens e somente se dedicar aos oficios da
santa igreja. Apesar de sua extrema dedicação ao catolicismo, suas visões
provocaram açoites, perseguições e acusação de feitiçaria, o que levou a
negra a fugir para o Rio de Janeiro e lá ser acolhida por franciscanos que a
alfabetizaram e admiravam sua intensa comunhão com a liturgia católica
dando-lhe a alcunha de "Flor do Rio de Janeiro".
A partir de suas visões Rosa escreveu o livro "Sagrada Teologia do Amor
Divino das Almas Peregrinas", profetizou a volta de Dom Sebastião em um
maremoto que engoliria a cidade do Rio de Janeiro, organizou cultos que
misturavam o catolicismo a ritos africanos. O fim de sua vida foi no
cárcere, condenada pelo santo oficio foi considerada herege e louca, pelas
pessoas que pode ajudar foi considerada santa.
Por aquelas que lutaram em revoltas e guerras relembramos a figura de Luíza
Mahin. Geniosa, a negra pertencente à etnia Jeje nasceu na Costa da Mina e
foi trazida ao Brasil como escrava. Escrava de ganho, jamais aceitou o
batismo católico, obteve sua liberdade em 1812 e seguiu o oficio de
quitandeira, obtendo com facilidade informações sobre tudo que acontecia na
cidade.
Luiza se apaixonou pelo Brasil, aqui esteve à frente da luta abolicionista
na Bahia participando de todos os levantes. Mulçumana e letrada em árabe a
negra pregou a palavra do profeta Maomé a alguns negros que formaram um
pequeno reduto mulçumano em Salvador e sendo então chamados de Malês. Todos
eram livres e lutavam contra a escravidão, arquitetaram a "Revolta dos
Malês" em 1835 com o intuito de destituir do poder os infiéis - todos
aqueles que eram convenientes a escravidão -, porém acabaram derrotados pela
polícia baiana.
A história não dá certeza do destino de Luíza, diz apenas que teria
participado de outras revoltas contra a escravidão no Rio de Janeiro antes
de ser capturada e degredada a África.
Em solo brasileiro também
foram perpetuadas tradições milenares da ritualistica africana. Mesmo
proibidos, os negros se reuniam para cultuar os seus deuses, as forças
sagradas da natureza.
Segundo dados históricos, as primeiras casas de santo existentes no Brasil
foram comandadas por mulheres negras. Há de então, nos lembramos dos nomes
de Mãe Marcelina (Obatossí), fundadora da Casa Branca do Engenho Velho, que
legou aos seus filhos a perpetuação do culto dos Orixás na tradição
oralistica do povo yorubano, o povo de Ketu. Recordamos também o nome de
Mam'etu Tuenda Nzambi, que foi a primeira zeladora de uma casa da tradição
Angola, o Terreiro Tumbensi, que mantém vivo as tradiçoes dos Nkisses,
divindades do povo bantu. Também exaltamos a figura de Mãe Maria Jesuína,
que fundou em São Luis do Maranhão a Casa das Minas, templo sagrado dos
Voduns do Daomé, divindades do povo Jeje.
4º setor:
Negra Musa, Mulher Inspiradora
A beleza da mulher negra
sempre aguçou o desejo dos homens. A pele escura, o desenho do corpo mais
farto, os lábios carnudos. Peculiaridades que logo se tornaram o encanto de
diversos artistas.
Quando ainda era colônia o
Brasil recebeu várias missões artisticas que trouxeram inúmeros escritores,
poetas e pintores. Todo aquele cenário despertou o fascínio do francês
Jean-Baptiste Debret e do alemão Johann Moritz Rugendas, que aliados a
tintas e pincéis retrataram o cotidiano daquela imensa massa de escravos que
circulava pelas ruas, suas obras eram o retrato fiel das humilhações e das
péssimas condições de vida dos negros, mas também se tornaram fonte para
mostrar um pouco dos seus costumes e da forma que se portavam e vestiam.
Em suas obras estão retratadas o colorido das indumentárias das escravas que
carregavam grandes balaios e cestas para comercializar quitutes, frutas e
temperos a fim de gerar renda para seus senhores, havia também negras
fazendo sombra para suas senhoras com guarda-sol enquanto as acompanhavam em
suas saídas e outras que demonstravam negras como amas de leite ou
realizando danças e cantorias.
A negra também ganhou
espaço na literatura, transformou-se em personagem de inúmeras obras de
escritores e poetas. Inicialmente eram retratadas apenas como meras
escravas, com o passar do tempo figuravam como personagens principais de
romances.
Como exemplo, temos poema "A Cativa" de Luis Gama, que constitui o livro
"Trovas Burlescas de Getulino", onde a beleza da mulher negra é exatalda
pela peculiaridade de suas belas madeixas crespas. Lembramos também a obra
"Cinderela Negra - A Saga de Carolina Maria de Jesus" dos escritores José
Carlos Sebe Bom Meihy e Robert M. Levine, que contam a história de uma negra
catadora de papel que se tornou um marco na história da escrita feminina ao
publicar "Quarto de Despejo: Diário de Uma Favelada" onde Carolina relata o
seu cotidiano como moradora da favela do Canindé em São Paulo.
A beleza da mulher negra
também foi registrada pelas lentes das máquinas fotográficas. Estampando
capas de livros ou revistas, comerciais de produtos para mulheres, sempre
houve algum motivo para elas estarem brilhando.
Negras que brilharam muito nos diversos registros feitos pelo grande
fotógrafo Pierre Verger, o francês que se encantou pela cultura africana e
pela beleza do povo negro, mostrando em grande parte do seu trabalho a
beleza, sensualidade e os costumes das negras brasileiras e africanas.
Reinaram também nas
televisões e nas telas de cinema. Belas, elas serviram de inspiração para
transformar a história.
Inspiração que se transformou em documentário em "Eu, Mulher Negra" de Joel
Zito de Araújo ou filmes como "Orfeu Negro"- adaptação de "Orfeu da
Conceição" de Vinícius de Moraes para o cinema -, que fala sobre o amor
entre o sambista negro Orfeu e a negra nordestina Eurídice, ambos moradores
de favela, um amor tão puro e verdadeiro que venceu a morte.
Musa também de tantos
poetas da canção, a mulher negra, sua beleza e suas conquistas foram
cantadas de diversas formas e nos mais variados ritmos.
Quem não se recorda de canções como "Morena de Angola" de Chico Buarque ou
"Mulata Assanhada" de Ataulfo Alves. Impossível também não recordar obras
imortais dos sambistas como "Dona Santa, Rainha do Maracatu" do Império
Serrano, "Mãe Menininha do Gantois" da Mocidade Independente de Padre
Miguel.
5º setor
Pérolas Negras do Brasil
Em âmbito mundial a mulher
negra conquistou várias vitórias. Foi uma luta trilhada por um caminho
difícil, que trouxe junto marcas da escravidão e do preconceito, mas que não
impediram o sucesso de muitas delas e sendo assim, para nós, todas essas
guerreiras são pérolas negras de raro valor e cheias de graça.
Vitoriosas nos alto dos
pódios superando o preconceito por serem mulheres e também negras. As
conquistas em tantas competições consagraram vencedoras como Aída dos Santos
do atletismo e Elaine Pereira de Souza da natação.
Em tempo mais recente tivemos a consagração vitoriosa de Marta Viera da
Silva, considerada a "Pelé de Saias" por suas habilidosas jogadas nos campos
de futebol. Consagrada também Daiane dos Santos, a primeira ginasta a
conseguir uma medalha de ouro no campeonato mundial de ginástica artística.
Na literatura nos legaram
obras de infinito valor material e cultural. Consagraram em suas obras a
(re) invenção de temas ligados a sua acentralidade, as raízes
afro-brasileiras e a escravidão. Também falaram de amor, sofrimento e das
vitórias obtidas pelo sexo feminino.
Glórias dadas aos poemas de Auta de Souza, aos contos de Maria Firmina dos
Reis, a toda obra de Alzira Rufino em defesa dos direitos da mulher e por
também estar a frente da "Casa de Cultura da Mulher Negra", perpetuando com
o projeto a história e a importância das mulheres negras no Brasil e no
mundo.
Brilham na dramaturgia
nacional. Nos palcos dos teatros e nas telas das televisões encantam a todos
com a encenação de dramas, comédias, romances que estão presentes no dia a
dia ou na história mundial.
Estrelas como Ruth de Souza, Neusa Borges, Zezé Motta e Chica Xavier foram
pioneiras ao representarem negras em várias produções artísticas, vencendo o
preconceito e até mesmo a tentativa de censura imposta várias vezes pela cor
de sua pele. Porém, a consagração da mulher negra na dramaturgia veio com
Taís Araújo e sua interpretação de Helena, a primeira personagem
protagonista negra de uma trama da televisão brasileira no considerado
"horário nobre".
Herdeiras natas dos povos
africanos que expressam na dança suas emoções, seus desejos e sua fé, as
negras também se destacaram como exímias dançarinas.
Em todos os ritmos proporcionam maravilhosos espetáculos, lembramos-nos de
nomes como Paula do Salgueiro e Pinah, que encantaram ao mostrar o mais puro
samba no pé e paixão pelo carnaval ao desfilarem magistralmente por suas
escolas de samba.
Não poderíamos também deixar de render homenagens a Mercedes Baptista, que
dançando ballet de pés no chão revolucionou a arte de dançar levando para o
Teatro Municipal do Rio de Janeiro toda a ginga e sensualidade da dança
afro. Fundadora do grupo ballet folclórico que leva o seu nome, reuniu
bailarinos negros que introduziram ao ballet clássico passos de danças
africanas como o lundu e o jongo, e movimentos dos orixás do candomblé.
Consagradas também pelo dom
sublime de cantar, nossas negras notáveis encantaram e encantam plateias por
todo o mundo.
Exaltamos todo o encanto de Alcione, Leci Brandão, Margareth Menezes,
Mart'nália e tantas outras que emprestam seu talento para as músicas de
tantos compositores.
Com muita emoção que também prestamos essa homenagem a verdadeiras divas da
música brasileira como Dona Ivone Lara - negra e primeira compositora de um
samba enredo - e das eternas, Clementina de Jesus, a "mãe quelé" que cantou
toda força da ancestralidade negra e da partideira Jovelina Pérola Negra,
sambista que se tornou a imortal rainha do partido alto ao compor e
interpretar repentes e pagodes nas rodas de samba no Rio de Janeiro.
Vencedoras em todas as
áreas e funções que atuam. Médicas e enfermeiras, hoje também juízas,
delegadas e advogadas. Líderes espirituais em diversas religiões.
Professoras, feirantes, domésticas, donas de casa. Também são mães de
coração puro e apaixonado.
E com esse mesmo coração que pulsa radiante de felicidade por exaltar a
mulher negra, rogamos a Nossa Senhora Aparecida, a mãe negra de todos os
brasileiros, que abençoe sempre a todos nós e nosso país. Abençoe também
todas essas maravilhosas mulheres negras. Guerreiras, ousadas, belas, são
elas o motivo do nosso cantar nesse carnaval.
Pedimos também que guarde bem toda nossa comunidade. Abençoe toda a Tijuca e
o Morro da Formiga que hoje cantam forte para transformar o seu maior sonho
em realidade. Abençoe a coroa imperial de nosso pavilhão verde e branco,
para que o Império da Tijuca possa fazer do seu carnaval um momento cada vez
mais especial.
Abençoe sempre mãe
padroeira, protetora de todos nós. Abençoe.
Júnior Pernambucano
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