G.R.E.S. UNIÃO DA ILHA DO GOVERNADOR |
Sinopse 2013 |
Sinopse
Vinicius de Moraes cuja pluralidade é reconhecida em suas obras, pensamentos e paixões receberá por ocasião do seu centenário nossa homenagem. Para compreender melhor o homem e o poeta, resolvemos criar um diálogo imaginário, tomando como respostas seus poemas, contos e entrevistas.
A INFÂNCIA ILHA – Poeta, fale um pouco da sua infância, suas memórias da nossa Ilha do Governador. POETA - Era um menino valente e caprino. Um pequeno infante, sadio e grimpante. Esse ei-ou que ficou nos meus ouvidos são os pescadores esquecidos... as barcas da Cantareira...o mar com o seu marulhar ilhéu. Éramos gente querida na ilha, e a afeição daquela comunidade manifestava-se constantemente. Quero rever Governador, a Ilha! Que minha amiga Rachel de Queiroz pensa que é dela, mas não se engane, é nossa. Quero repalmilhar a praia de Cocotá, onde dez anos fui feliz. Era indizivelmente bom.
A POESIA ILHA - Quando nasceu a poesia na sua vida? POETA -
A poesia paterna, que encontrara numa
gaveta velha em casa, foi a minha grande e decisiva influência. Desejei
imenso fazer versos assim, versos de amor. Eu havia sempre laborado na
arte da poesia, desde os mais verdes anos. Às vezes, em meio aos
brinquedos com os irmãos, na Ilha do Governador, fugia e ia me ocultar no
quarto, a folha de papel diante de mim. ILHA - E os Poetas ? POETA - Me liguei muito a Bandeira, Drummond, Pedro Nava e outros...
COLÉGIO SANTO INÁCIO ILHA - Religião? POETA - Família católica, colégio de padres, aquele negócio de confessar aos domingos, de comungar. Mas acho que a vocação para o pecado era maior. ILHA - Reza? POETA - Sempre. Um homem como eu, que está sempre apaixonado, vive em prece.
LIVROS ILHA - Com 19 anos publica o primeiro livro, Caminho para a distância; o segundo, Forma e exegese, que até ganhou um prêmio numa disputa acirrada com Jorge Amado, tinham um cunho espiritual... POETA - Era o “Inquilino do Sublime”, como disse o Otto Lara Resende.
O BRASIL ILHA - Poeta, escritor, jornalista, como diplomata conheceu o mundo, mas conheceu também um Brasil real. Mesmo assim, quando estava fora, lhe batia certa nostalgia? POETA - Sim,
não há dúvida: são saudades da pátria, e, sobretudo do que na pátria é
pobre e diferente. São doces os caminhos que levam de volta à pátria. Não
à pátria amada de verdes mares bravios, a mirar em berço esplêndido o
esplendor do Cruzeiro do Sul; mas a uma outra mais íntima, pacífica e
habitual. ILHA - Em 42, você viajou com o escritor americano Waldo Frank pelo Nordeste e Norte do Brasil. Esta viagem mudou sua visão política ao descobrir o Brasil? POETA
- Descobrir o Brasil, exatamente. Pela mão de
um americano... ILHA - Como você vê o Brasil? POETA - Eu digo sempre uma coisa: tenho uma grande fé no Brasil. Uma fé meio estúpida, meio instintiva, por causa do povo. Realmente, a minha fé no Brasil não vem das instituições, nada disso. Agora, eu acredito neste povo. E cada vez que eu voltava ao Brasil, de alguma viagem ao exterior, essa crença aumentava, compreende? E como essa crença é um bem gratuito, eu prefiro tê-la a não tê-la.
ORFEU ILHA - Contam que a visita que fez com o escritor americano Waldo Frank, o mesmo que viajou com você pelo Norte e Nordeste, e à favela da praia do Pinto, que havia no Leblon, deixou-o enfeitiçado com o ritmo e a sensualidade dos negros sambistas. Frank teria dito que eles pareciam gregos antes da própria cultura grega. E naquele carnaval de 1942, a ideia enfim brotou de uma batucada no Morro do Cavalão, em Niterói, foi isso? POETA -
Pus-me a ler, por desfastio, num velho
tratado francês de mitologia grega, a lenda de Orfeu - o maravilhoso
músico e poeta da Trácia. Curiosamente, nesse mesmo instante, em qualquer
lugar do morro, moradores negros começaram uma infernal batucada, e o
ritmo áspero de seus instrumentos - a cuíca, os tamborins, o surdo -
chegava-me nostalgicamente de envolta com ecos mais longínquos ainda do
pranto de Orfeu chorando. ILHA - Orfeu da Conceição (título sugerido por João Cabral de Mello Neto), Uma tragédia carioca, acabou resultando no seu encontro com Tom Jobim. Lúcio Rangel indicou e você pergunta a Paulinho Soledade, que também lhe falara a respeito. POETA - Paulinho, estou precisando de um maestro que me ajude numas músicas que vou fazer. Você tem algum? ILHA - Paulinho responde: Tom Jobim, mas tem um problema: ele é moderno... ILHA - Trechos de Orfeu da Conceição. O morro, a cavaleiro da cidade,
cujas luzes brilham ao longe.
CINEMA ILHA - Sua paixão por cinema vem de criança. Defensor do filme mudo, você foi de censor a crítico. Roteirista de diversos filmes. Nessa sua paixão por cinema, como foi levar Orfeu para as telas, ainda que decepcionado com o resultado? POETA -
Sou apaixonado por cinema. Só Deus sabe
como gosto de uma boa fita, o prazer que me traz “ver cinema”, discutir,
ponderar, escrever, até fazer cinema na imaginação. ILHA - Um dos grandes sucessos do filme foi “A Felicidade”, que dizia: Tristeza não tem fim
BOSSA NOVA ILHA - Fale-me de sua música. POETA
- Não falo de mim como músico, mas como
poeta. Não separo a poesia que está nos livros da que está nas canções.
Era uma insatisfação minha verificar que a poesia de livro atingia um
número tão reduzido de pessoas. ILHA - Durante os cerca de
quatro anos em solo americano, você se apaixonou pelo jazz, que
futuramente seria uma das raízes fundamentais para a Bossa Nova. Tom Jobim
teve uma formação semelhante e João Gilberto, no interior da Bahia, também
se interessava pelo mesmo estilo musical e, coincidentemente, teve as
mesmas influências dos músicos cariocas. E o marco foi “Chega de saudade”,
com Elizeth Cardoso e depois gravado por João Gilberto. POETA
- Acho que foi uma influência muito boa. Com
a influência do jazz, abriu tudo isso, você podia introduzir qualquer
instrumento num conjunto de samba, os instrumentistas improvisavam, as
harmonias melhoraram muito e se enriqueceram, os instrumentistas
tornaram-se excelentes e conheciam profundamente seus instrumentos, como é
o caso de Baden e Tom. A influência foi benéfica porque houve uma
descaracterização de nossa música. O samba estava sempre presente na bossa
nova. Vai, minha tristeza Chega de saudade Tanto assim que eu sou um dos pouquíssimos compositores brasileiros que atravessou essas gerações todas. Eu fiz música com o Pixinguinha, o Ary Barroso, com o pessoal da geração do Antonio Maria, o Paulinho Soledade; depois peguei o Tom, o Baden, o Carlos Lyra, o Edu, o Francis e, em 69, o Toquinho. E mesmo com caras mais jovens que o Toquinho eu já fiz música, como o Eduardo Souto Neto, o João Bosco.
AFROSSAMBAS E BAIANICES ILHA - Em meados de 62, quando começa a compor com Baden Powell, surge uma grande virada com os ritmos baianos ... POETA - O Baden tem uma produção muito boa, e foi ele quem me introduziu o elemento africano, o que não havia antes na bossa nova - eram todos brancos, arianos. ILHA - Naquela altura da vida você retomou um caminho de fé? POETA - Num plano assim de vida, não. Restou talvez uma certa religiosidade, própria de meu temperamento. Por exemplo, eu me interesso por candomblé, certas superstições. Isso é sinal de que tem algum fogo na cinza. ILHA - Época dos afrossambas e você acabou virando... O branco mais preto do Brasil. Na linha direta de Xangô. POETA - Quando digo que eu sou o branco mais preto do Brasil, digo a verdade. A minha comunicação com a raça negra é imensa. Sinto atração por ela, a todo momento descubro a sua vitalidade. A contribuição do negro à cultura brasileira é importantíssima. Só a contribuição rítmica que eles trouxeram; a magia do mundo negro, já me liga a eles definitivamente. ILHA - Maysa e Elis Regina fizeram sucesso com “Canto de Ossanha”, num LP que exaltava com outros “Cantos”, outros orixás. POETA - Amigo sinhô sarava, Xangô me mandou lhe dizer: - Se é canto de Ossanha, não vá! Que muito vai se arrepender. Pergunte pro seu orixá. Amor só é bom se doer. ILHA - E essa africanidade toda rendeu até palavrão. Uma nova forma de xingar os militares da ditadura? POETA -
Te garanto que na Escola Superior de
Guerra não tem milico que saiba falar Nagô: ILHA – Em seu período baiano, você fez amizade com uma das mais famosas Ialorixás... POETA - Ela é a Mãe Menininha do Gantois Que Oxum abençoou, Tatamirô! ILHA - Por encomenda, você e Toquinho fizeram a trilha da novela O bem amado, uma das faixas de maior sucesso foi “Meu pai Oxalá”. Atotô Abaluayê Atotô babá Atotô Abaluayê Atotô babá
Meu pai Oxalá é o rei Venha me valer O velho Omulu
ILHA - Voltando à Elis Regina, ela venceu o festival da canção de 1965, música sua e de Edu Lobo, onde, além do primeiro lugar, você ainda faturou o segundo de quebra com Elizeth Cardoso. Vamos recordar uns trechinhos de “Arrastão”? POETA - Ê! Tem jangada no mar Hoje tem arrastão! Todo mundo pescar Olha o arrastão entrando no mar sem fim. Traz Iemanjá pra mim Ê! É a rainha do mar Valha-me meu Nosso Senhor do Bonfim Nunca, jamais se viu tanto peixe assim. ILHA - Essa onda afro, que começa com Baden em 1962, onde se destaca também “Berimbau”... POETA - Capoeira me mandou Dizer que já chegou para lutar Berimbau me confirmou Vai ter briga de amor Tristeza, camará ILHA -...se estende quase dez anos depois na sua temporada baiana, com uma nova parceria, para os íntimos o Toco. POETA - Encontrei novamente um parceiro pra valer, e ele é um jovem paulista de 24 anos, com uma pinta de menestrel medieval conhecido pelo apelido de Toquinho, e simplesmente “janta” o violão. ILHA - "Tarde em Itapuã", seria dado para o Caymmi musicar. Mas você lhe deu um voto de confiança e rendeu um dos maiores sucessos dessa parceria. O dia pra vadiar É bom
CARIOCA ILHA - Belas mulheres sempre inspiram, não é? POETA
- As muito feias que me perdoem ILHA - A menina que passa acabou gerando a mais cantada música brasileira no mundo que é a “Garota de Ipanema”. Enquanto a menina passava você acabou tirando parte da letra definitiva num comentário com o Tom. Qual foi o comentário? POETA - Você notou que quando ela passa o ar fica mais volátil? Eu acho que nem os egípcios, nem o próprio Einstein saberiam explicar por quê. Olha que
coisa mais linda Moça do
corpo dourado ILHA – “Carta ao Tom 74” mostra o saudosismo daquela época. POETA - Rua Nascimento e Silva, 107 Você ensinando pra Elizete As canções de Canção do amor demais (...) Ah, que saudade Ipanema era só felicidade (...) Nossa famosa garota nem sabia A que ponto a cidade turvaria Esse Rio de amor que se perdeu
VINICIUS PARA CRIANÇAS ILHA - Você lançou um livro de
poemas infantis dedicado aos seus filhos. Desde a década de 70 tinha o
desejo de musicar esses versos e transformá-los em um álbum. “A casa” “Aquarela” “O pato” “A arca de Noé”
PAIXÕES ILHA - O Drummond disse que você havia nascido sob o signo da paixão. Vamos ao ponto: Amor ou Paixão? POETA - Eu ainda acho que o amor que constrói para a eternidade é o amor paixão, o mais precário, o mais perigoso, certamente o mais doloroso. Esse amor é o único que tem a dimensão do infinito. Eu sou um namorador
inveterado. Labareda Quando a luz dos olhos meus Eu não ando só Para viver um grande amor E cada verso meu será
Onde anda a canção E por falar em paixão
O poeta se deixa em prece Vagabunda, patética, indefesa Lua linda! lua amada
POETA - A bênção, todos os grandes Sambistas do Brasil ILHA - Qual a receita de um bom samba? POETA - Mas pra
fazer um samba com beleza ILHA - E as tantas amizades que você fez? POETA - A gente não faz amigos, reconhece-os. ILHA - Seus parceiros? POETA - Meus principais parceiros, Antonio Carlos Jobim, Carlinhos Lyra e Baden Powell, são pra mim o Pai, o Filho e o Espírito Santo... ILHA - E o Toquinho? POETA - Amém. E há Pixinguinha. Pixinguinha, eu acho que é o próprio Deus em pessoa. Isso sem falar em Ary Barroso. Edu lobo e Francis Hime. ILHA - Você poderia definir qual seu estilo? POETA - Infelizmente, eu não tenho estilo. Um amigo meu costuma dizer que eu sou muitos. Se fosse um só, não me chamaria Vinicius de Moraes, no plural. ILHA – E agora o Vinicius showman. Para comemorar seu centenário e a eternidade de suas obras, vamos fazer surgir um grande palco com alguns de seus grandes shows: Boite Au Bon Gourmet, com Tom e João Gilberto; no mesmo local, com Carlos Lyra e Nara Leão, na comédia musical Pobre menina rica; Boite Zum Zum, com Caymmi e quarteto em Cy; Toquinho e Clara Nunes, no teatro Castro Alves, em Salvador; Maria Medalha e Maria Creusa, em Milão; Bethânia e Toquinho, no La Fusa, em Mar Del Plata; com Joyce, em Punta Del Leste; Tom, Toquinho e Miúcha, no Canecão e inúmeros outros... ILHA – Já que celebrar é alegria de viver, o que é a vida pra você? POETA
- A vida é arte do encontro É melhor ser alegre que ser
triste ILHA - Você, um poeta dentro da vida... Ela tem sempre razão? POETA
- Sei lá, sei lá ILHA - E a morte? POETA
- Eu morro ontem Quem vai pagar o enterro e as
flores Amigos meus, está chegando a hora Em que a tristeza aproveita pra entrar E todos nós vamos ter que ir embora Pra vida lá fora continuar Prontinha pro show voltar E em novo dia A gente ver novamente A sala se encher de gente Pra gente comemorar E no entanto é preciso cantar Mais que nunca é preciso cantar É preciso cantar e alegrar a cidade Quem me dera viver pra ver E brincar outros carnavais A bênção, que eu vou partir ILHA - Calma poeta, tenho uma última pergunta: Um repórter lhe perguntou se você tinha medo da morte. O que respondeu? POETA – Não, meu filho. Eu não estou com medo da morte. Eu estou é com saudade da vida. ILHA - Até mais Poeta...te vejo na Ilha. POETA - Saravá!
Alex de Souza |